Satirizaram os partidos com assento parlamentar, irritaram gente, da esquerda à direita, com cartazes provocatórios, excederam o número de mulheres na lista de Portalegre (violando propositadamente a lei das quotas) e enviaram cartas para 200 mil lares contra a “opressão do Fisco”. A estratégia deu frutos e a Iniciativa Liberal (IL) assegurou a eleição de João Cotrim de Figueiredo, em Lisboa.
O partido constituído no final de 2017 alcança assim algo que ninguém conseguia desde 1999, quando Francisco Louçã e Luís Fazenda chegaram à Assembleia da República, na estreia do Bloco de Esquerda em legislativas.
Depois de ter falhado o objetivo de conduzir Ricardo Arroja até ao Parlamento Europeu, em maio, a IL insistiu na “oposição de guerrilha”, como lhe chamou Rodrigo Saraiva, um dos principais dirigentes do partido. Ainda antes do período oficial de campanha, os liberais ridicularizaram cartazes do BE sobre a ADSE e o Serviço Nacional de Saúde, do CDS sobre os fundos comunitários e do PSD a propósito da oposição ao Governo. Mas não ficaram por aí: puseram um outdoor perto da entrada da Quinta da Atalaia a provocar o PCP no fim de semana da Festa do Avante! e transformou o #Cumprimos socialista em #ComPrimos.
No final de agosto, a IL também já tinha sido notícia por ter sido forçada a substituir duas mulheres na lista de Portalegre, por ter violado a legislação sobre as quotas de género. “Apesar de não concordarmos com a lei, iremos substituir duas mulheres na lista por dois homens. Não iremos deixar de dar aos eleitores de Portalegre a possibilidade de votar na IL apenas por discordarmos da lei”, frisou o presidente do partido, Carlos Guimarães Pinto.
Já na segunda semana de campanha, a recém-formada força política enviou cartas para 200 mil famílias. No cabeçalho das missivas, podia ver-se a foice do símbolo do PCP e os punhos esquerdos erguidos, do PS, e um remetente imaginário, a Autoridade Extorsionária. A ironia que tem entrou pela casa dos (e)leitores adentro servia para fazer a apologia da redução de impostos e da simplificação do regime fiscal no País, colocando a IL como uma versão 2.0 do partido dos contribuintes.
Agora, ainda sem resultados definitivos – e o líder pediu tentou travar a euforia dos militantes e simpatizantes pedindo “serenidade” até à contagem dos últimos votos –, Cotrim de Figueiredo já tem assento parlamentar assegurado, embora Carlos Guimarães Pinto (cabeça de lista no Porto) fique de fora.
No discurso desta noite, Guimarães Pinto felicitou António Costa pela vitória, “apesar da forma como tem gerido o País”, mas avisou que os socialistas “agora vão ter uma oposição diferente” e sublinhou os registos desta noite “sem figuras mediáticas”. “Um partido que chega aqui por causa das ideias, ideias que vão fazer oposição ao socialismo”, garantiu.
Guimarães Pinto é economista e professor universitário. Em Portugal e, ironicamente, num bastião comunista, o Vietname. Aos 36 anos, já conta com o carimbo de 71 nações no passaporte e deu aulas além-fronteiras, em África e na Ásia. Admite ser um provocador, mas recusa ser a estrela da companhia. “Ao contrário do Aliança [de Pedro Santana Lopes], do Chega [de André Ventura], do RIR [de Tino de Rans], do Livre [de Rui Tavares], do PDR [de António Marinho Pinto], este partido não existe por causa do seu líder. Não foi criado em torno de um líder, não existe para que o líder tenha emprego ou mantenha a sua carreira. O partido já existia antes de eu chegar e continuará a existir depois de eu sair”, afiançava, em fevereiro, em declarações à VISÃO.
Por sua vez, o eleito da noite agradeceu o convite do líder do partido e vincou que “não podia mais estar sentado, impávido e sereno”, a olhar para o rumo que o País estava a seguir. E defendeu que a mudança tem de ser feita “por dentro”.
Já Cotrim de Figueiredo, 58 anos, é gestor e empresário e foi presidente do Turismo de Portugal entre 2013 e 2016. Aos 15 anos, vendia cabides em lojas e armazéns da Manequim, uma marca de família, fundado pelo bisavô, João Pinto Figueiredo. Estudou no colégio alemão e formou-se em Economia, na London School of Economics.