1 – O fim de um ciclo
Com a mesma criatividade, um pouco menos de demagogia de tendência populista (tipo, a de comparar o “socialismo” da Venezuela com o socialismo democrático europeu…) e a inteligência já demonstrada dos seus dirigentes, a Iniciativa Liberal pode ser o tal novo projeto à direita que a direita tanto queria. À custa da saída definitiva de cena de Pedro Santana Lopes (a Aliança era supostamente desse campeonato) e da anunciada implosão do CDS, partido estruturante da democracia portuguesa. A entrada no Parlamento deste futuro “Bloco de Esquerda da direita” pode abrir caminho, daqui a oito anos, a uma curiosa disputa da hegemonia, ao menos nos centros urbanos, desse lado do espetro ideológico ao PSD. Ao mesmo tempo, servirá de tampão a populismos menos inócuos, como o do CHEGA, que também marca a estreia da alegada “extrema-direita” no Parlamento (embora esta seja uma extrema-direita de trazer por casa, visto que a mais genuína, a do PNR, tem cada vez menos expressão…). Por outro lado, o Livre também põe a cabeça de fora, elegendo a sua deputada, que, de outra forma, teria ido, muito provavelmente para o Bloco de Esquerda. Assistimos ao início de qualquer coisa, que será decerto muito mais do que uma reconfiguração cosmética do sistema partidário português.
2 – Rui Rio ganhou?
O líder do PSD fez um discurso triunfal, contra tudo e contra todos: o resultado das sondagens de “ainda há três semanas” (embora, há três semanas, elas possam ter estado certas…), como se não tivesse havido campanha eleitoral, a conjuntura internacional, os partidos pequenos à direita, Santana Lopes e o Aliança, a guerrilha dos adversários internos. Ouvindo-o, um marciano que tivesse acabado de aterrar em Portugal pensaria que o PSD ganhou folgadamente… Enfim, tudo isto se explica pelos dois enormes suspiros de alívio de Rio: ter impedido uma maioria absoluta do PS e ter quase chegado – sem os atingir – aos 30%, marca que era, ainda há bem pouco tempo, uma percentagem considerada mínima para qualquer dos dois partidos grandes, quando estivessem no pior da sua forma…
3 – A geringonça morreu…
Pelo menos, tal como a conhecemos, a geringonça faleceu, paz à sua alma. O que temos, agora, é um PCP ferido e desconfiado e um Bloco que venderá por alto preço a hipótese de alinhar com o PS, isto se quiser deixar o PCP “de mãos livres”, para usar uma expressão cara a Jerónimo de Sousa, a fazer oposição, sozinho, à esquerda. E, se for o caso, a inversa também é verdadeira… Será que o Bloco fará depender do seu apoio a entrada, com ministros, no Governo? E provocar uma situação à espanhola, como avisou António Costa? Ou as suas exigências serão de tal monta que obriga o PS a recusá-las, deixando a Costa ónus da instabilidade e podendo dizer que, ao contrário do PCP, até tentou?…
4 – …Viva a geringonça!
Passada a campanha eleitoral, António Costa volta à primeira forma: volta a falar de BE e CDU como “os nossos parceiros parlamentares” e “há de arranjar-se qualquer coisinha”… Acabou o papão da instabilidade, a ameaça espanhola, a legislatura encolhida para dois anos… Agora, de um dia para o outro, é só promessas de amor eterno. Mas a Interpretação de Costa parece ser a mais correta: o sinal do eleitorado é o de que quer mais do mesmo: um PS liderante, fiscalizado de perto por parceiros vigilantes. Não foi assim que ele disse, mas disse que os portugueses mostraram gostar da geringonça. É quanto baste. O problema, é que o programa da velha geringonça esgotou-se na reposição de rendimentos. Essa parte está feita. Agora, os parceiros vão querer contrato melhorado, com exigências mais difíceis, até porque já não têm de se unir contra a hipótese de um Governo PàF. Será que Costa acabará por forçar, antes doe tempo, umas eleições antrecipadas onde, aí sim, pedirá a maioria absoluta para prevenir a irresponsabilidade dos ex-parceiros à esquerda? Ou já está a festejar a mais do que provável manutenção de Rui Rio no seu cargo, pessoa amiga a quem, num futuro próximo, ainda poderá vir a pedir uma mãozinha?
Uma coisa é certa: com um hemiciclo inédito de dez partidos, sete grupos parlamentares e alguns cromos eleitos, este Parlamento vai ser um dos mais divertidos de sempre…