“É uma coisa brutal: o insucesso no segundo ano do primeiro ciclo, quando os alunos têm sete anos, está nos 11%”, nota Maria de Lurdes Rodrigues, 59 anos, ex-ministra da Educação do primeiro governo de José Sócrates. A afirmação é feita a propósito do relatório sobre o Estado da Educação 2014, publicado a semana passada pelo Conselho Nacional de Educação.
Os dados sobre o insucesso são dos mais negativos. Nos últimos quatro anos letivos, a taxa de retenção e de desistência, que mede os “chumbos”, aumentou em todos os ciclos do ensino básico: de 3,3% para 5%, no primeiro ciclo, de 7,4% para 11,4%, no segundo, e de 13,3% para 15,1%. no terceiro. “Contraria a evolução que tínhamos desde 1974, em que a retenção, apesar de alta, ia diminuindo”, sublinha a professora do ISCTE-IUL.
“Hoje as políticas educativas insistem só e apenas nos exames e deixaram de dar prioridade ao sucesso escolar”, defende ainda a autora de 40 anos de Políticas de Educação em Portugal, publicado o ano passado pela Almedina. “Os exames não têm nenhum efeito milagroso, são apenas um instrumento de avaliação”, nota a especialista.
Para a ex-ministra, há outros sinais “preocupantes” no relatório de 385 páginas, produzido por um organismo presidido por outro anterior ministro da Educação, David Justino. “Nota-se a estagnação do pré-escolar, a estagnação do secundário e a extinção completa do ensino para adultos.”
A propósito da redução do número de alunos adultos que concluíram ou o ensino básico ou o secundário – passaram de 84 mil, em 2009/10, para 5 mil, em 2013/14, no ensino básico, e de 69 mil para 13 mil, no secundário –, a ex-ministra considera que esta é hoje uma questão que diferencia a direita da esquerda. “Na última semana, quando o PS tentou incluir a questão do ensino de adultos nas negociações com a coligação de direita, ficou evidente que esta é uma questão que divide os dois campos”, analisa. “São perto de 500 mil os jovens que não estudam nem estão na escola e outros 500 mil são trabalhadores jovens sem qualificações”, nota a responsável política pela criação do programa Novas Oportunidades.
Para a ex-ministra, é também um sinal preocupante a ênfase no ensino vocacional. “Tem vários problemas: é precoce e é um percurso escolar que acaba num beco sem saída”, nota. Um aluno com 13 pode, hoje, ingressar no ensino vocacional, mais prático. “É muito cedo para dizer a alguém que vai estudar para ser serralheiro mecânico”, exemplifica a ex-ministra, que critica ainda o papel exercido pelas empresas, onde se processa parte do ensino. “ Não têm ninguém para os ensinar e levanta questões sérias sobre a possibilidade de os alunos estarem a ser usados como mão-de-obra infantil”. E deixa um aviso: “Desaconselho os pais a inscreverem os filhos nestes cursos, tal como eu não inscreveria os meus”.