A revelação está escondida na página 32 do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que foi relator o desembargador Rui Rangel, e que, com estrondo mediático, no último dia 24, determinou o fim do segredo de Justiça interno na Operação Marquês, que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates, suspeito de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Lê-se ali que existem dois prazos possíveis para o encerramento do inquérito, um que termina a 19 de outubro de 2015 e outro a 24 de novembro de 2015, e que o Ministério Público (MP) tem a “intenção e bem”, escreve aquele magistrado, “de considerar o primeiro” (ver caixa).
Antes, o desembargador Rui Rangel chama a atenção para o que “nos ensina” o Código Civil: “(…) Sucedendo-se dois prazos aplicáveis a um mesmo inquérito, (…) prevalece a contagem que implique ‘faltar menos tempo para o prazo se completar’, na expressão do art. 297.º-1 do Cod. Civil.”
Foi já noticiado que o procurador Rosário Teixeira, que dirige a Operação Marquês no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), do MP, dividiu este megaprocesso em vários inquéritos, através da extração de certidões.
Também veio a público que a primeira acusação a avançar contra o ex-governante – no próximo dia 19, uma segunda-feira, a cumprir-se a “intenção” do MP expressa nos autos – será a que se relaciona com o empreendimento turístico Vale do Lobo, no Algarve.
Em causa estão as novas regras para o Plano Regional de Ordenamento do Território para o Algarve (PROTAL), aprovadas em Conselho de Ministros em 2007, e, sobretudo, um artigo que isentava dessas disposições os “planos de urbanização” e os “planos de pormenor em elaboração (…) à data da entrada em vigor” daquela resolução, e que já tivessem “sido remetidos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve” até 31 de dezembro do ano referido.
O PROTAL foi aprovado a 24 de maio, mas só seria publicado em Diário da República a 3 de agosto, entrando em vigor a 19 de dezembro de 2007. A 20 de dezembro, uma nova resolução do Conselho de Ministros alargou o período transitório para 31 de janeiro de 2008. Todos estes interregnos, estará o procurador Rosário Teixeira convencido, beneficiaram aquele empreendimento turístico.
Há depois a suposta circulação de alegadas luvas. José Sócrates supostamente recebeu €12 milhões, dos €14 milhões que, de contas na Suíça, alegadamente transitaram de Joaquim Barroca, vice-presidente do Grupo Lena, para Carlos Santos Silva, o empresário amigo do ex-primeiro-ministro.
Esse dinheiro, sustenta o MP, foi transferido para Barroca pelo empresário luso-angolano Hélder Bataglia (€12 milhões), um dos principais acionistas de Vale do Lobo, e por um milionário holandês, Jeroen van Dooven, comprador de uma moradia naquele empreendimento.
Já Armando Vara, alega o DCIAP, viabilizou, enquanto administrador da Caixa Geral de Depósitos, um empréstimo de €194 milhões a Vale do Lobo (que se revelaria ruinoso), supostamente a troco de €2 milhões em luvas.
No último dia 5, em conferência de Imprensa, João Araújo e Pedro Delille, advogados de defesa de José Sócrates, asseguraram que era “absolutamente impossível” que aquele empreendimento tivesse obtido “qualquer favorecimento” dos governos chefiados pelo seu constituinte, e que a tese do DCIAP não passa de “uma grande imaginação”.
As contas dos prazos
Vinte e sete meses é o número-chave do prazo do inquérito da Operação Marquês. Se atendermos apenas ao momento em que foram decretadas as primeiras prisões preventivas de arguidos (José Sócrates, Carlos Santos Silva e João Perna, antigo motorista do ex-primeiro-ministro), então o Ministério Público (MP) tem 12 meses para deduzir uma acusação, e aqui a data-limite é o próximo dia 24 de novembro. Mais: como o processo foi declarado de “excecional complexidade”, o MP pode solicitar ao juiz de instrução Carlos Alexandre o prolongamento do prazo para o efeito por mais seis meses. A estes 18 meses juntam-se os nove meses em que a contagem do prazo esteve suspensa, em resultado da espera pelas respostas às cartas rogatórias enviadas às autoridades suíças, com pedidos de informações bancárias. Temos, pois, que 18+9=27.
Mas o inquérito da Operação Marquês iniciou-se, na verdade, a 19 de julho de 2013, quando visou, como diz a lei, “pessoa determinada”, na altura apenas Carlos Santos Silva, o empresário amigo do ex-primeiro-ministro. Contas feitas, no próximo dia 19 completam-se os tais 27 meses.
Sabe-se agora, pelo acórdão da Relação de Lisboa que determinou o fim do segredo de Justiça interno na Operação Marquês, que o MP manifestou nos autos a “intenção” de atender a uma recomendação do Código Civil, quando existem dois prazos aplicáveis a um mesmo inquérito. Diz a norma (art. 297-1) que nessa situação deve prevalecer a contagem na qual “faltar menos tempo para o prazo se completar”. E 19 de outubro é esse “Dia D”.