É o segundo dia de campanha. As ruas de Setúbal estariam vazias para receber o líder do CDS e ele sabia-o, por isso segue para o Parque Empresarial de Setúbal. Sai do carro com a energia e o sorriso de quem tem centenas de apoiantes à espera. Lá fora, entre jornalistas, candidatos, staff, jotas e a direção da LAUAK Portugal, não estarão mais de trinta.
No terceiro andar, entra numa sala sem reparar na foto (com Manuel Pinho e José Sócrates) pendurada à porta. Paulo Portas ouve com atenção a apresentação sobre a LAUAK e a indústria aeronáutica. Sabe que a empresa chegou a Portugal em 2003 (era Portas ministro da Defesa) e fica a saber que a casa passou, em 12 anos, de 28 para 340 funcionários e de €1,3 milhões para €11,5 milhões em faturação. Interrompe cirurgicamente para fazer perguntas sobre questões que conhece bem, como a relação com a OGMA, e outras mais relacionadas com temas de campanha: quantas mulheres tem a empresa? E quantos turnos? Por vezes, antecipa-se e dá ele próprio a resposta: “Sabe quantos turistas a China emite por ano? 103 milhões. É o maior emissor de turistas do mundo!” Está como peixe na água. E com uma aura que não poderia ter, se Passos Coelho, o lado A da coligação, estivesse ali. Não porque Passos vibrasse mais do que ele, mas porque Portas de ?sentido de Estado apurado, sabe que é (apenas) o número 2 – um lado B.
Não deixou de ser vaidoso, dizem os seus próximos. Sempre que pode, toma a dianteira. Dá a direita a uma Maria Luís ?Albuquerque apagada e a esquerda a Nuno Magalhães, os primeiros candidatos de cada partido (PSD e CDS) por Setúbal. Portas, que falhara as duas visitas de Passos Coelho à região, não podia deixar de passar pelo distrito que, em 2011, lhe dera, pela primeira vez na história do CDS, dois deputados. Alimentando a expectativa de manter o troféu, corre o escritório e as linhas de produção com o braço estendido, cumprimentando quase todos os funcionários, muitos dos quais (fora avisado) são PCs empedernidos.
Nada o impediria de fazer a visita e de destacar o clima económico (as previsões da empresa são boas), dar este (e outros) exemplo(s) de bons investimentos, falar das exportações e de chegar à mensagem que levava preparada: o investimento só aparece em climas de confiança e estabilidade, os únicos capazes de criar emprego. Com a mensagem passada e as fotos tiradas (e ele sabe bem posicionar-se para a foto), arrancaria (num BMW de 2015, com vidros esfumados) para Beja, onde o esperavam Passos Coelho e Nuno Melo (o substituto oficioso do líder centrista).
Portas terá certamente saudades das muitas vezes em que era ele a liderar as campanhas. Heloísa Apolónia não tem esse saudosismo. Afinal, o seu PEV nunca concorreu isolado. Nasceu em 1983 e rapidamente se coligou com o PCP – primeiro na APU, depois na CDU. Heloísa nunca teve de andar pelo País a dar a cara pela caça ao voto, nunca teve de bater-se sozinha.
Nem Portas nem Heloísa são inéditos
Debateu sozinha, com Portas, na sexta-feira, 18. Portas falou de agricultura e pescas, com eles exibindo a agenda centrista da sua coligação. Já Heloísa, quando questionada pelo jornalista da TVI sobre o País com que se identifica ou defende, destacou o modelo económico que tem de ter como eixo central as pessoas, os salários dignos, a redinamização da economia, as funções sociais do Estado e os serviços públicos garantidos antes de referir aquela que é a raiz do seu partido: as políticas ambientais.
Como nos singles, não há uma regra para o lado B das coligações. Nem Portas nem Heloísa são inéditos. Portas tem servido de bónus ao PSD, na contagem dos votos. Heloísa nunca soube o seu peso real. Não se sabe quanto valerá eleitoralmente. Tem uma presença tímida. Mas substitui ?Jerónimo de Sousa quando é preciso.
Foi ela quem, no domingo, 20, em cima dos seus saltos altos, encabeçou o desfile de arranque da campanha da CDU, envergando a faixa (Emprego – Direitos – Produção – Soberania). Jerónimo, que era para estar presente, deixou claro, pela voz de Rita Rato, que “tinha grande confiança nas mulheres” da sua coligação. Heloísa encontrou-se com ele já no Coliseu dos Recreios. Não teve a entrada apoteótica, a seu lado. Encontraram-se na primeira fila, onde Jerónimo estava sentado ao lado da mulher.
A líder do PEV, a terceira a discursar, falou um quarto do tempo do secretário-geral do PCP, mas foi ela quem disse que o PS era “uma espécie de genérico, porque tem o mesmo princípio ativo que o PSD e o CDS”. O soundbite do dia não mereceu muitos aplausos. Os camaradas aguardavam Jerónimo.
No fim, saíram cada um por si, sem sombra da deferência habitual na outra coligação. Jerónimo entrou para o banco de trás de um Toyota estacionado ao lado de um vistoso Porsche. Heloísa seguiu a pé. No dia seguinte, Jerónimo iria para Coimbra. Heloísa, a terceira por Setúbal, não.
Lado A ou lado B, ambos tocam a mesma música: a da caça ao voto.