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Em outubro de 2013, por ocasião do segundo casamento de Miguel Relvas, o Inimigo Público (alter ego satírico do jornal Público e que tem como lema “se não aconteceu, podia ter acontecido”) escreveu: “Miguel Relvas teve um padrinho de casamento português, um angolano, um brasileiro e um colombiano”.
Simbólico, o título da pseudonotícia não pretendia ser verdadeiro, mas fazer notar que o ex-ministro de Pedro Passos Coelho, agora homem de negócios, mantém relações estreitas com pessoas influentes dos países dos padrinhos fictícios. A notícia pecou por defeito. Faltaram referências a Moçambique, ao Peru, ao Uruguai, ao México, à China ou até mesmo a Macau, por onde Miguel Relvas tem viajado, no último ano, em alguns casos acompanhando José Maria Aznar, no âmbito da Fundação para a Análise e Estudos Sociais.
Homem do mundo, Miguel Relvas regressou a Portugal no último fim de semana, para participar no primeiro Conselho Nacional do PSD, de novo como figura de proa do partido. Entrou discreto, em silêncio, como que escondendo uma certa felicidade interior que, dizem os amigos, não há como contornar. Só lhe correu mal a fotografia: não conseguiu aparecer ao lado de Passos Coelho. Um ficou na mesa da direção, no palco, e o outro na primeira fila da plateia, frente a frente.
Muitos sabiam do interesse de Relvas em regressar ao PSD [um amigo confessou à VISÃO que não será descabido dizer que ele quererá “integrar a próxima lista de deputados”]. E desfaça-se o equívoco: Miguel Relvas volta à política para dar o seu contributo ao partido, mas também para que o partido lhe dê um contributo a ele. Um “facilitador de negócios” que faz pontes entre nações longínquas, que é capaz de pôr em contacto investidores e governos de vários países e que agiliza processos negociais, precisa de uma certa proximidade em relação ao poder. E só a política consegue garantir – e legitimar – esse acesso privilegiado aos decisores. Os americanos chamam-lhe lobbying.
Aqui se explicam as razões do regresso de Relvas, que acabou de constituir a empresa MFRelvas, com a filha, e de reabilitar a Integrabalance, ambas de consultoria. À VISÃO, disse apenas: “Aceitei um convite. Ponto.”
Ponte para o Brasil
Ao discursar no Hotel Sana (Lisboa), no encontro de sociais-democratas, o ex-ministro explicou-se melhor: “Há um ditado chinês que diz: Quando os ventos sopram forte, alguns abrigam-se, outros constroem moinhos. Eu escolhi sempre construir moinhos. Convosco.” Partido à parte, é isso mesmo que Relvas tem andado a fazer um pouco por todo o mundo lusófono.
Há alguns meses, uma empresa portuguesa da área da inovação contactou-o. “Sempre ouvi dizer que para entrar no mercado brasileiro era preciso falar com ele, por isso não quis arriscar”, conta à VISÃO um administrador. “Enviei-lhe um e-mail.” A resposta não tardou e sugeria o contacto com um advogado (colocado em Cc, na resposta, para ficar dentro do assunto).
Miguel Relvas “encaminhou” o processo para Paulo Elísio de Sousa, seu amigo desde 2009, altura em que se conheceram, durante uma visita de Pedro Passos Coelho ao Brasil. Elísio de Sousa lidera a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa no Rio de Janeiro e é hoje o interlocutor privilegiado de Relvas naquele país, onde o ex-ministro português passa férias há décadas (incluindo com amigos como José Luís Arnaut ou Dias Loureiro) e onde não lhe faltam ligações mais do que conhecidas com o mundo dos negócios, da comunicação e marketing, da diplomacia, do showbiz e, claro, da política.
José Dirceu, ex-dirigente do PT ligado ao caso “mensalão” e consultor de multinacionais (atualmente preso), é sempre apresentado como um dos mais antigos amigos de Relvas do outro lado do Atlântico, mas não é o único. Nem o mais importante, nesta fase. Já o advogado Paulo Eloísio de Sousa, esse, é incontornável.
A VISÃO fez-lhe três perguntas sobre o português. “A minha relação com Miguel Relvas é de natureza pessoal: um amigo de longa data que muito prezo”, esclareceu o advogado, acrescentando que já não recorda as circunstâncias exatas em que os dois se cruzaram, há coisa de 15 anos. “Enquanto membro do Governo de Portugal, sendo eu presidente da Câmara de Comércio do Rio de Janeiro, muito ajudou na relação entre os dois países.”
Sobre o seu regresso à política, Eloísio de Sousa mostrou dúvidas. “Pelo que tenho observado, ele hoje está mais voltado para a sua família e atividade profissional”. Nada mais certo.
A VISÃO questionou-o também sobre as funções de Relvas como Alto Comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa, para as quais foi indicado em agosto, mas o brasileiro explicou que “isso ainda é um projeto, não havendo por enquanto nem dirigentes nem atividades executadas”. Um “cargo” para o cartão de visita, que ajuda a dar peso à atividade profissional.
Honorários em Portugal
Um dos mais mediáticos negócios entre Portugal e o Brasil cuja mediação é atribuída a Relvas teve a ver com a introdução do software clínico Alert, concebido por uma empresa multinacional portuguesa. O sistema “entrou” no Brasil por Minas Gerais, em 2007, mas rapidamente se espalhou por todo o país.
Outro negócio que terá tido Relvas como intermediário foi a emissão de dívida lançada pela prefeitura do Rio de Janeiro, cidade de que é cidadão honorário, num total de 500 milhões de dólares. A operação envolveu a consultora KapaKonsult (de que Relvas era administrador) e o Banco Efisa, do Grupo BPN (que detinha o Banco BPN, entretanto nacionalizado e vendido a Mira Amaral, muito amigo de Relvas).
“Fiz sempre questão de receber todos os meus honorários em Portugal, recusando utilizar a faculdade que a lei me concedia de pagar os meus impostos fora do País”, esclareceu o ex-ministro à VISÃO, em 2011. Os honorários são a forma como Relvas se sustenta (e ou enriquece, há que dizê-lo), recebendo uma espécie de comissão por cada negócio que, encaminhado por si, se concretiza. Em África, chama-se a essa atividade “comissionista”. Mas Miguel Relvas é mais do que um mero “comissionista”. Não vende produtos, gere influências. É um lobista profissional que precisa de ter acesso direto aos corredores e aos detentores do poder.
E o nome acenta-lhe ainda melhor, quando tenta conquistar novos mercados, como parece ser o caso, no Oriente. No último ano, passou por Hong Kong, Pequim, Singapura e Macau, onde está o seu ex-chefe de gabinete Vítor Sereno. Diplomata de carreira, Sereno é cônsul-geral de Portugal em Macau e recebeu, recentemente, o prémio de personalidade luso-chinesa, atribuído pela Associação de Jovens Empresários Portugal-China. O amigo Relvas não deixou de assistir à cerimónia, aproveitando a ocasião para privar com alguns empresários.
Eixo Lisboa-Maputo
Outra das apostas mais fortes – e menos badaladas – de Relvas tem sido Moçambique, onde o seu amigo barrosista Nuno Morais Sarmento, companhia numa das viagens recentes, já exerce atividade empresarial há vários anos.
Em Maputo, Relvas começou por mover-se na condição de ministro, ainda a partir de Lisboa. Uma fonte da CGD contou à VISÃO que o social-democrata se mostrou “muito interessado no dossiê da mudança de administração do Banco Comercial e de Investimentos (BCI)” [banco que, em Moçambique, representa a Caixa e o Millennium].
No início de 2013, foi preciso proceder à substituição da presidência executiva do BCI, nas mãos de Ibraimo Ibraimo. Ao que a VISÃO apurou, a preferência do Governo português ia para Celso Ismael Correia, um jovem empresário moçambicano de 35 anos, dono de um dos maiores grupos privados daquele país – a Insitec. Celso é também membro do comité central da Frelimo, presidente do conselho de administração e acionista do BCI, homem da confiança do chefe de Estado Armando Guebuza, profundo conhecedor dos empresários locais, da estrutura logística e burocrática do país, e uma ajuda preciosa para quem pretende investir em Moçambique.
A promoção de Celso acabou por não acontecer – a CGD, sócio maioritário, nomeou o técnico Paulo Sousa para o lugar -, mas o poder moçambicano foi reforçado, naquele órgão de gestão, e o jovem empresário foi reconduzido. A pequena vitória foi atribuída a Relvas, que, por coincidência, estava em Maputo, em fevereiro de 2013, no dia da assembleia-geral do BCI que aprovou as mudanças.
A viagem do então ministro dos Assuntos Parlamentares à capital moçambicana tivera como objetivo a assinatura de vários protocolos, nomeadamente com o seu homólogo Fernando Sumbana Júnior, mas também a condecoração do futebolista Mário Coluna (recentemente falecido) e a presença na cerimónia de lançamento do jornal A Bola, naquele país.
Miguel Relvas discursou, nesse evento, partilhando com os convidados a “gentil e inócua” informação, como lhe chamou o blogue Delito de Opinião, de que teria aprendido a ler n’A Bola. A frase logo terá dado azo, segundo a mesma página, a uma anedota: “Sabes onde é que o Relvas fez a primária? Leu A Bola e teve equivalência.”
Angola: o berço
Ao contrário de Moçambique, a relação de Relvas com Angola antecede, em muito, as suas funções governativas e é tão antiga como o próprio consultor. O ex-deputado nasceu naquela ex-colónia, na Lunda Norte, em 1961. Aos 13 anos, deixou Angola e as coincidências da vida ditaram que viesse a estudar no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, por onde também passou Carlos Feijó, ex-chefe da Casa Civil de José Eduardo dos Santos e antigo ministro de Estado (hoje lidera a comissão instaladora do Centro de Corporate Governance Angolano).
Mais tarde, uma passagem pela administração da Finertec, empresa que opera em Angola e cuja principal atividade é a produção de energia, terá ajudado a estreitar relações com quem interessa. Ou não fosse a companhia gerida por um português próximo do poder de Luanda, de seu nome Braz da Silva. No país há 20 anos, Braz da Silva é amigo de António Maurício, ex-governador do Banco de Angola e vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos, também administrador da Finertec. E, claro está, conhecido de Miguel Relvas, com quem partilha a paixão pelo Sporting.
Por estas e por outras, Relvas dispensa apresentações, naquela zona de África. Conhece parte da elite angolana e, melhor ainda, a elite conhece-o. E num país em que o poder tem pouca rotatividade e grande influência, seja nas decisões políticas seja nas económicas, isso é um pormenor importante.
Em janeiro de 2012, nas vésperas de uma das suas visitas a Luanda, o jornal O País referia-se ao governante como “ministro dos negócios”, explicando: “Se Vítor Gaspar trata da venda, Miguel Relvas trata da compra” – o assunto eram as privatizações.
Várias outras pessoas constarão da lista de contactos de Relvas, que faz a articulação entre empresas portuguesas que querem investir em Angola e angolanas com intenções de investir em Portugal. Uma delas é a de António Mosquito, o empresário quase anónimo que comprou 51% da Controlinveste (a Joaquim Oliveira, grande amigo de Miguel Relvas) e que tem negócios no setor da construção civil, petróleo e importação de automóveis. Mosquito, é preciso não esquecer, dispõe de uma participação de 12% no banco da CGD e do Santander em Angola, o Caixa Totta, fundamental para quem quer financiar-se para investir. Um papel idêntico ao de Celso Correia, em Moçambique.
Uma rede de contactos como a que Relvas construiu no mundo não desaparece de um dia para o outro. Mas além de basear-se em proximidades pessoais e antigas, precisa da ligação ao poder para se legitimar, manter e tornar mais forte.
É por isso que Miguel Relvas volta à política, sem voltar. É por isso que, no domingo, 2, e apesar de saber que não é figura consensual no Conselho Nacional do PSD, se sentou em frente de Pedro Passos Coelho. Criador e criatura.
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