No passado dia 27 de fevereiro, o Presidente russo Vladimir Putin ordenou que as forças nucleares russas fossem postas em “alerta alto” em resposta às “ações hostis dos países ocidentais”, nomeadamente as “sanções ilegítimas” e “declarações agressivas”, como declarou no seu discurso.
O anúncio de Putin significa que o armamento nuclear da Rússia será preparado para lançamento quando e se tal for ordenado, o que aumenta a ameaça de que a invasão na Ucrânia se possa transformar numa guerra nuclear entre a Rússia e o ocidente.
Criado em 2019, o “Plano A” é uma simulação desenvolvida pela Universidade de Princeton que mostra como se desenrolaria uma guerra nuclear entre a Rússia e os EUA, os dois maiores detentores de armas nucleares atualmente, e o impacto que teria no mundo.
Os resultados da simulação falam por si: nas primeiras horas de confronto, o mundo já contaria com cerca de 90 milhões de vítimas, cidades destruídas e um conjunto vasto de efeitos colaterais que iriam, tanto a curto como a longo prazo, impactar outros milhões de pessoas.
No vídeo de quatro minutos, é possível perceber de que forma se desencadeariam os ataques e qual seria a resposta do adversário. De acordo com a simulação, a guerra seria inicialmente travada entre a Rússia e os países da Europa Ocidental para depois assumir dimensões intercontinentais com a Rússia e os EUA a assumir as posições de destaque.
A simulação levada a cabo pelos investigadores Alex Wellerstein , Tamara Patton , Moritz Kütt e Alex Glaser com a assistência de Bruce Blair , Sharon Weiner e Zia Mian, “é baseada em avaliações independentes das atuais posturas das forças dos EUA e da Rússia, planos de guerra nuclear e alvos de armas nucleares”, segundo a página da Science and Global Security da Universidade de Princeton, onde foi publicada a simulação.
A peça audiovisual procura ainda seguir e prever “a ordem de batalha”, de modo a estimar “quais armas vão para quais alvos em qual ordem e em qual fase da guerra”, mostrando, assim, a sua evolução. O número de feridos e mortos é calculado com recurso a dados do NUKEMAP, uma ferramenta interativa que se ocupa de determinar os danos causados por diferentes armas nucleares, considerando tanto a sua potência – que o utilizador pode escolher de modo a perceber os diferentes impactos das diferentes bombas – como o local que seria atingido – também à escolha do utilizador.
Criado por Alex Wellerstein, professor do Instituto Tecnológico Stevens e especialista em história das armas nucleares, a informação do NUKEMAP já foi considerada “altamente precisa” por Erika Simpson, professora de política internacional da Universidade Western, no Canadá, e especialista em estratégia nuclear da Otan aquando do seu testemunho à BBC.
O que aconteceria?
Segundo a simulação a guerra começaria como sendo algo “convencional” para depois progredir para um conflito nuclear. Inicialmente, a Europa seria o principal palco da guerra, a Rússia atacaria bases da NATO recorrendo a 300 ogivas nucleares e mísseis de curto alcance ao que a NATO responderia com 180 ogivas. O resultado? 3,6 milhões de vítimas em cerca de três horas.
Esta sequência de ataques seria o suficiente para destruir o continente europeu e colocar os EUA como principal frente face à Rússia. Seria então feito um ataque por parte da NATO a partir do território norte-americano ao que a Rússia retaliaria com o lançamento de mais mísseis. Neste momento, o número de vítimas aumentaria em cerca de 3,4 milhões em pouco mais de 45 minutos.
A estratégia final seria um ataque mútuo às cidades mais populosas e aos principais centros económicos de ambas as potências recorrendo, para isso, entre cinco a dez ogivas em cada ataque. Daqui resultariam cerca de 85 milhões de vítimas. Feita as contas, o resultado final seria de 34,1 milhões de mortos e 57,4 milhões de feridos, num total de aproximadamente de 91,5 milhões de vítimas.
Ainda assim, a simulação não considera algumas variáveis, nomeadamente a possibilidade de as cidades ativarem os alarmes de ameaça de bomba, uma resposta natural nesta situação. Isto permitiria que os civis procurassem abrigo, o provavelmente reduziria o número de mortos e feridos. Matthew Bunn, professor da Universidade de Harvard e especialista em medidas de controle da proliferação de armas nucleares disse, em resposta à BBC, que “seria útil acrescentar à simulação mais informações e ações que poderiam ser adotadas para reduzir o perigo”.
Por outro lado, existem também uma série de outros fatores que potenciariam o número de vítimas, nomeadamente resultantes da radiação nuclear e dos seus efeitos na saúde da população. Também o próprio meio ambiente seria afetado com uma redução gradual do ozono ao longo da década que seguisse os primeiros ataques. Consequentemente, seriam afetadas as colheitas e aumentaria a probabilidade de seca e cancro da pele.
Segundo um estudo desenvolvido pela Universidade de Cambridge, “um ataque nuclear mataria a vida selvagem e destruiria a vegetação numa grande área através de uma combinação de explosão, calor e radiação nuclear. Os incêndios florestais causar destruição imediata. A rutura da superfície e a perda de vegetação levariam a uma erosão eólica e hídrica muito acelerada e ao “despejo de nutrientes””.
Qual a probabilidade de uma guerra nuclear hoje?
Atualmente, e segundo a Federação de Cientistas Americanos, “aproximadamente 90% de todas as ogivas nucleares são propriedade da Rússia e dos Estados Unidos”. A guerra nuclear entre ambos seria, portanto, devastadora, mas, apesar das ameaças de Putin, qual é a probabilidade de tal acontecer?
As opiniões são muitas e diversas. O discurso de Putin foi analisado cuidadosamente por múltiplos especialistas, mas as conclusões não dão certezas. Muitos interpretaram a declaração do presidente russo apenas como uma ameaça verbal que não será efetivada pelo receio da retaliação do Ocidente. Segundo o próprio Secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, o anúncio feito pelo presidente da Rússia foi puramente “teórico”.
É importante relembrar também que existe um acordo que limita o número de armas nucleares que os EUA e a Rússia, podem manter ativamente implementadas. De acordo com o World Population Review, “atualmente, a Rússia mantém o maior número de armas nucleares, com um total estimado de 6.257 ogivas. Destes, 1.458 estão ativamente implantados (o atual tratado START II limita os EUA e a Rússia a 1.550 no total), 3.039 estão inativos, mas disponíveis para serem ativados, e 1.760 estão aposentados e aguardando desmantelamento. Os Estados Unidos seguem de perto com 5.550 armas nucleares no total: 1.389 ativas, 2.361 inativas, mas disponíveis e 1.800 em linha para serem desmanteladas”. Apesar dos dados, não há garantias de que a Rússia não quebre o compromisso feito.
Wallace comentou, em resposta à BBC que não vê ou reconhece “no tipo de frase ou no status que ele descreveu algo que traduza uma mudança no que eles assumem atualmente como sendo a sua postura nuclear”, mas salienta que isso não significa que não levem a ameaça russa “muito, muito a sério”.
A simulação vem no seguimento da ” necessidade de destacar as consequências potencialmente catastróficas dos atuais planos de guerra nuclear dos EUA e da Rússia”, referem os autores. “O risco de uma guerra nuclear aumentou dramaticamente nos últimos dois anos, à medida que os Estados Unidos e a Rússia abandonaram os tratados de controle de armas nucleares de longa data, começaram a desenvolver novos tipos de armas nucleares e expandiram as circunstâncias em que podem usar armas nucleares”. Desde que a simulação foi disponibilizada em 2019 que o panorama mundial mudou, mas tendo em conta as ameaças russas, a tensão em torno do armamento nuclear continua a ser uma realidade.