“Não há que ter ilusões. E os líderes europeus que não nos enganem… Esta guerra não é só sobre a Ucrânia. Esta guerra é também sobre a Europa. É pela Europa! Este é o momento: não podemos ser cobardes!”, diz, à VISÃO, a antiga diplomata Ana Gomes.
A antiga europdeputada não tem dúvidas de que a ofensiva militar russa na Ucrânia é a consequência da “inação” dos líderes europeus, face à escalada do regime de Moscovo, e que tudo faz parte de um plano mais alargado do presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, que visa “a destruição da Europa democrática, como a conhecemos”.
“É por isso que ele financia forças da extrema-direita: financiou Donald Trump Trump, o partido de Le Pen [o francês Rassemblement National], de Matteo Salvini [a italiana Liga] ou a AfD [da Alemanha]… Financiou o Brexit. E ele sabe que, neste momento, não controla a Rússia como antigamente, que os russos têm, hoje, mais informação… E é por isso que tem medo da comparação com a Ucrânia – um País que, apesar de todas as dificuldades, está a evoluir como regime democrático. É exatamente isso que ele não quer: que o seu próprio povo possa, um dia, escolher para si próprio viver numa democracia”, afirma.
Embora lamente as notícias que chegam do avanço das tropas russas em território ucraniano, Ana Gomes mostra-se tudo, menos surpreendida. “Andamos a enganar-nos há muito tempo, porque Putin tem sido muito consistente. Tem sido sempre em crescendo e, agora, chegou a vez da Ucrânia”, lamenta.
“Putin é um indivíduo frio, calculista e sem escrúpulos, que tem a visão de recuperar aquilo que ele considera ser o espaço de influência natural da Rússia… Não vai ter problemas de consciência caso decida envolver a Rússia numa guerra que o povo russo não quer, e de provocar baixas na Ucrânia, um País que tem um forte relacionamento histórico e cultural com a Rússia”, acrescenta.
Portugal deve “retirar imediatamente” nacionalidade a Abramovich e avançar com sanções contras “cleptocratas com vistos gold”
A ex-dirigente do PS aponta responsabilidade aos líderes europeus pelos atuais acontecimentos, uma vez que considera que os avanços de Putin só aconteceram “porque os líderes europeus assim o permitiram: em 2008, foi a Geórgia; em 2014, foi a Crimeia, em 2014; a Chechênia; a Síria…. E onde estavam, nessa altura, os líderes europeus? Não estiveram lá, não foram lá…”, acusa.
A reação, agora, terá de ser “concreta e contundente”, diz. E Ana Gomes espera que Portugal faça “a sua parte”. A antiga candidata presidencial, e tal como publicou, ao início desta tarde, no Twitter, considera que a primeira opção do Governo deveria ser “a retirada imediata” da nacionalidade portuguesa a Abramovich
– o empresário russo que, em 2021, conseguiu obter a nacionalidade portuguesa ao abrigo da lei que beneficia os descendente dos judeus sefarditas, expulsos do País no final do século XV – e “congelar quaisquer bens que este cá tenha”.
Ana Gomes alerta, ainda, que “existem 418 russos” com vistos “gold” em Portugal, que devem ser “escrutinados” e “alvo de sanções”. “Não sabemos quem são estas pessoas, pois têm estado protegidos pelo segredo inacreditável que este Governo, tal como os anteriores, lhes concendeu. Continuamos a enconbrir cleptocratas, mafiosos e criminosos, que se infiltram na Europa e põem em causa a nossa segurança coletiva. Estes indivíduos têm de ser escrutinados, pois muitos deles podem ser cleptocratas, como Abramovich”, sublinha Ana Gomes.
Entretanto, António Costa disse, esta manhã, que o Governo tem “um plano de evacuação de cidadãos portugueses e luso-ucranianos da Ucrânia e que há abertura para o acolhimento de familiares dos ucranianos residentes no País”, declarações que agradaram a Ana Gomes.
A antiga diplomata defende que “Portugal tem a obrigação” de acolher refugiados ucranianos, no âmbito deste conflito. “Temos essa obrigação, por questões humanitárias, mas também pela própria importância da comunidade ucraniana em Portugal. Podemos receber estas pessoas e até temos interesse em recebê-los”, conclui.