“Gosto de usar pontos de partida e usá-los como metáforas para falar de algo que me preocupa ou me toca”, afirmou o realizador. “Eu sabia que este ia ser um filme sobre perda. Era o tópico que eu queria abordar”.
O cineasta João Gonzalez e o produtor Bruno Caetano participaram, na quarta-feira, em Los Angeles, num painel da Semana dos Óscares, organizado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas sobre as curtas de animação nomeadas aos Óscares.
O filme “Ice Merchants” foi exibido na sala de cinema do Museu da Academia, em conjunto com os outros nomeados, e a conversa foi moderada pelo veterano da Disney Glen Keane.
A curta conta a história de um pai e um filho pequeno, que vivem numa casa suspensa num penhasco, e todos os dias fazem uma jornada arriscada para vender gelo na aldeia lá em baixo. Glen Keane, que venceu um Óscar pela animação “Dear Basketball” em 2018, descreveu um “sentimento de precariedade” e de “aperto no estômago” ao ver o filme português, e elogiou pormenores como a existência de uma terceira caneca numa casa onde apenas vivem dois, numa alusão a alguém que não está.
“É primariamente um filme sobre perda. A caneca representa a mãe e os chapéus representam a nossa vida quotidiana”, descreveu Gonzalez. “Os pequenos rituais que [pai e filho] fazem diariamente fortalecem a base da sua relação, uma relação humana todos os dias mais forte apenas por viverem o quotidiano”.
Keane também notou o estilo muito distintivo da animação de João Gonzalez e a interligação com a música, criada em paralelo com a história. O produtor Bruno Caetano falou disso.
“Já fizemos muitas curtas na Cola [cooperativa de animação] e o João tem um estilo muito distinto”, disse Caetano, referindo a forma como o cineasta cria animação e música de forma integrada.
“Não há separação entre o que ouvimos e o que vemos no filme”, explicou. Essa integração “transmite tanta emoção” que o espectador percebe imediatamente o que o cineasta queria transmitir.
“Foi algo novo e gostámos muito da experiência”, disse Caetano, acrescentando que o processo de produção correu relativamente bem apesar de todos os constrangimentos da pandemia da covid-19.
“Ice Merchants” destaca-se dos outros nomeados pelo estilo de animação, a paleta de cores e a abordagem sonora, sem qualquer diálogo. João Gonzalez explicou a importância da atração pela arquitetura e perspetiva, paisagens e edifícios, sendo que a imagem da casa no penhasco foi o ponto de partida de toda a história.
“Sempre me interessei muito por sombras e fazer coisas sobressair de forma tridimensional, primeiro do papel e depois do ecrã”, indicou o cineasta. “Também me interessou sempre uma paleta de cores limitada”, continuou, referindo que o filme tem apenas quatro ou cinco cores com tons muito específicos.
“O meu desafio como realizador é encontrar uma maneira de incorporar coisas que me satisfazem esteticamente e que também funcionam de forma conceptual no filme, em que ambos se engrandecem”, disse.
“O meu amor pela arquitetura beneficiou o filme”, considerou. “Foi importante estabelecer o efeito de vertigem desde o início. E acredito que as sombras ajudam a criar um tom mais dramático no filme”.
Gonzalez frisou que a equipa de animação foi de apenas duas pessoas, ele e a animadora polaca Ala Nunu, que também está em Los Angeles para a 95.ª cerimónia de entrega dos Óscares, a 12 de março.
Este é o primeiro filme português a ser nomeado para os prémios da Academia. Foi produzido pela cooperativa portuguesa Cola Animation, em coprodução com França e Reino Unido, e teve um orçamento de cerca de 100 mil euros.
Compete pelo Óscar de Melhor Curta de Animação com “The Boy, the Mole, the Fox and the Horse”, que tem J.J. Abrams como um dos produtores e a Apple TV+ a distribuir, “The Flying Sailor”, de Amanda Forbis e Wendy Tilby, “My Year of Dicks”, de Sara Gunnarsdóttir e Pamela Ribon, e “An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It”, de Lachlan Pendragon.
ARYG // EJ