Joe Biden toma posse daqui a menos de duas semanas, no dia 20 de janeiro. Até lá, o Presidente Donald Trump ainda promete fazer correr muita tinta. Face à recente invasão do Capitólio por um grupo de apoiantes seus, fala-se na destituição do líder por “incapacidade” ou até num segundo impeachment – seria a primeira vez que um presidente americano enfrentava duas vezes um processo de destituição no mesmo mandato. Mas será que é possível que Donald Trump seja afastado do seu cargo?
No dia seguinte à invasão do Capitólio, o Senador Democrata Chuck Schumer exigiu ao Vice-Presidente Mike Pence que “invocasse imediatamente” a 25ª Emenda da Constituição dos EUA, que estabelece um processo para retirar o Presidente do seu cargo. Em alternativa, disse Schumer, “o Congresso deve reunir para um processo de impeachment.” Estavam lançadas as cartas para a estratégia dos Democratas, que veio a ser subscrita por Nancy Pelosi – a presidente da Câmara dos Representantes, que detém o poder de iniciar este processo. Assim, cabe perceber em que consistem estes dois processos – a 25ª Emenda e o impeachment.
O que é a 25ª Emenda?
Em 1919, o presidente Woodrow Wilson sofreu dois enfartes e serviu o resto do seu mandato, até 1921, incapacitado, com a Primeira Dama, Edith Galt Wilson, a assumir secretamente as rédeas do país. Em 1955 e 1957, o presidente Dwight D. Eisenhower também sofreu ataques cardíacos que o incapacitaram parcialmente e lhe permitiram manter-se no cargo. Nos dois casos, as doenças foram escondidas do público – mas Eisenhower estava ciente dos problemas políticos que as mesmas podiam causar. Por isso, decidiu preparar legislação que antecipava cenários de incapacidade do presidente dos EUA.
Apesar dos esforços de Eisenhower, foi apenas com a morte de John F. Kennedy, em 1963, que se veio a aprovar a 25ª Emenda da Constituição dos EUA, ratificada em 1967. De acordo com esta provisão, “no caso de remoção, demissão ou morte do Presidente, o Vice-Presidente assume as suas funções”. No entanto, a sua quarta secção prevê uma outra situação excecional: no caso de o Presidente estar incapacitado de executar as suas funções, também deve ser substituído pelo seu “número dois”.
Em que ocasiões foi invocada a 25ª Emenda?
Esta Emenda foi invocada poucas vezes na história do país. Em 2002 e 2007, o presidente George W. Bush invocou esta Emenda antes de realizar colonoscopias, uma vez que ia ser anestesiado e ficar inconsciente. Durante estas horas, o seu vice-presidente Dick Cheney assumiu as funções de chefe de Estado. Também Ronald Reagan, em 1985, abdicou dos seus poderes por algumas horas, devido a uma cirurgia para remover um pólipo dos intestinos, sendo o cargo assumido pelo vice-presidente George H. W. Bush. Assim, a 25ª Emenda nunca foi invocada por mais de que algumas horas – o cenário de Trump é algo totalmente novo para os constitucionalistas norte-americanos.
Quem pode invocar esta Emenda?
O Vice-Presidente é indispensável para iniciar este processo – a 25ª Emenda só pode ser invocada por Mike Pence, ou mediante a sua aceitação. Para além de si próprio, Pence precisaria de uma “maioria de secretários de departamentos executivos” para invocar a Emenda e remover Trump do cargo. Ao todo, há 15 secretários executivos no gabinete presidencial, ou seja, a “declaração de incapacidade” de Trump teria de ser assinada por Pence e pelo menos 8 secretários. Posteriormente, esta declaração teria de ser enviada para conhecimento da Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosy, e do Presidente do Senado, Chuck Grassley.
Como é que Trump pode reagir contra a invocação da 25ª Emenda?
Mesmo que Pence decidisse avançar com a declaração de incapacidade e tivesse o aval de, pelo menos, 8 secretários – um cenário improvável – Trump ainda poderia contestar a invocação da Emenda. O Presidente teria igualmente o direito de enviar uma declaração para Pelosy e Grassley a negar a sua incapacidade. Caso Pence e os secretários refutassem esta declaração, a decisão seria levada para o Congresso, que teria 21 dias para decidir o caso, com uma maioria de dois terços em cada câmara. No entanto, o mandato de Trump acabaria antes do final deste prazo – tornando a decisão do Congresso irrelevante. Assim, a hipótese de conseguir invocar a 25ª Emenda e remover Trump do seu cargo até 20 de janeiro parece ser manifestamente improvável. Resta a segunda hipótese: o impeachment.
Os Democratas vão avançar para um segundo impeachment?
No domingo, a Democrata Nancy Pelosi afirmou que, caso Mike Pence não invoque a 25ª Emenda, a Câmara dos Representantes irá dar início ao segundo processo de impeachment em quatro anos. Donald Trump será acusado pelos Democratas de “incitar uma rebelião”, relativamente aos recentes acontecimentos no Capitólio, mas também poderão ser referidas as recentes tentativas de interferências no resultado das eleições pelo Presidente americano. A votação na Câmara dos Representantes pode ser realizada ainda esta semana e, uma vez que os Democratas detêm 222 dos 218 votos necessários para a condenação de Trump, a sua condenação nesta Câmara é manifestamente possível. Uma vez aprovado, o processo avançará para o Senado.
Quais são as hipóteses de o impeachment ser aprovado no Senado?
No seu primeiro processo de impeachment, Donald Trump foi salvo pelo Senado, que votou contra a sua condenação e ilibou o Presidente. O Republicano Mitch McConnell, líder desta câmara, já deixou claro que um hipotético início de processo de impeachment no Senado não acontecerá antes do dia 19 de janeiro – um dia antes da tomada de posse de Biden. Assim, tudo indica que o julgamento e votação de um possível impeachment irão decorrer já durante mandato de Biden.
Apesar de os Democratas terem recentemente assegurado uma maioria (por um voto) no Senado, esta não é suficiente para aprovar o impeachment: é necessária uma maioria de dois terços dos senadores para condenar Trump, o que significa que, mesmo que todos os Democratas votem a favor neste julgamento, serão necessários pelo menos 16 votos de senadores Republicanos. Até agora, apenas Lisa Murkowski, do Alasca, Ben Sasse, do Nebraska, e Mitt Romney, do Utah, admitiram um tal cenário.
Quais seriam as consequências deste impeachment?
Uma vez que o impeachment será, em princípio, debatido e votado no Senado depois de Biden tomar posse, a demissão de Trump da Casa Branca deixa de estar em causa, uma vez que este já não estará em funções. No entanto, a sua remoção do cargo de Presidente dos EUA não é a única consequência de um impeachment: caso seja condenado, Trump será impedido de exercer qualquer outro cargo público na sua vida – o que veta a possibilidade de uma nova candidatura em 2024. Apesar de a condenação no Senado ser improvável, por exigir o voto favorável de vários Republicanos, a desqualificação permanente de Trump pode ser apelativa para vários membros do seu partido que tenham ambições de fazer parte de uma candidatura nas próximas eleições.