Em setembro deste ano, o empresário brasileiro de futebol André de Camargo Aranha foi considerado inocente pela justiça brasileira em relação à acusação de violação de Mariana Ferrer, agora com 23 anos.
A influencer acusou o milionário de a ter violado numa festa em Florianópolis, Santa Catarina, em 2018. As imagens do beach club mostram que os dois estiveram juntos no local, mas Mariana afirma não se lembrar de nada por ter sido drogada antes. Foi encontrado sémen nas suas roupas, mas o exame toxicológico não mostrou indícios de consumo de drogas ou álcool. Já o exame pericial concluiu que a jovem era ainda virgem.
Inicialmente, André de Camargo Aranha foi acusado pelo crime de violação, depois de um inquérito policial que referia uma “violação de vulnerável”, mas esta decisão que foi anulada após um recurso interposto pela defesa do empresário.
Segundo a justiça, André de Camargo Aranha não tinha como saber se a jovem estava a consentir a relação sexual ou não, não tendo, por isso, intenções de cometer o crime, ou seja, não houve “dolo”. O termo “estupro culposo”, que tem corrido a internet, não foi utilizado durante o julgamento, mas é aquele que explica da melhor forma a justificação utilizada pela justiça brasileira para a ilibação de André de Camargo Aranha: este crime não está previsto na legislação brasileira e, como não existe, o milionário foi absolvido das acusações. O juiz Rudson Marcos referiu, ainda, que não havia provas suficientes para condenar o empresário.
Na altura, a hashtag #justiçapormariferrer começou logo a ser utilizada nas redes sociais, mas esta terça-feira a indignação tomou uma proporção ainda maior, depois de o The Intercept ter divulgado um vídeo do julgamento, que até magistrados do Supremo Tribunal Federal já descreveram como “aterrador”.
Nas imagens divulgadas, o advogado do ex-arguido, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostra várias fotos sensuais da jovem tiradas por um fotógrafo para justificar o alegado crime – referindo estar em “posições ginecológicas” – e acusa-a de “manipular essa história de virgem”.
“Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você” e “é seu ganha pão a desgraça dos outros” foram algumas das coisas que o advogado referiu, deixando a jovem em lágrimas. “Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo, eu estou implorando por respeito no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada”, pediu Mariana. Mas o advogado repreendeu o seu choro: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo.”
A Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pediram esclarecimentos, tanto ao advogado como ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, relativamente às suas condutas durante o julgamento. “Os factos foram completamente esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais, os quais constataram que houve uma relação consensual entre duas pessoas e foi atestado que ambos estavam com a sua capacidade cognitiva em perfeito estado” referiu Cláudio Gastão da Rosa Filho, em resposta a toda a polémica criada depois da publicação do vídeo.
Apesar de o processo decorrer em sigilo, foi a própria influencer que tornou o seu caso público em maio de 2019, nas redes sociais. O seu objetivo era, de acordo com a jovem, acelerar todo o processo, que considerava estar parado devido à influência do empresário. Deste caso, Mariana teve apenas direito a apoio psicológico, pago pela discoteca onde o alegado crime ocorreu.
NÃO, NÃO ACONTECE SÓ NO BRASIL
Em 2018, o Tribunal da Relação do Porto considerou a violação de uma mulher de 26 anos inconsciente como sedução mútua. “A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação) na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]”, pode ler-se no acórdão, assinado pelos juízes Maria Dolores da Silva e Sousa Manuel Soares.
A violação aconteceu no final de 2016, por dois funcionários da discoteca Vice Versa, em Vila Nova de Gaia, na casa de banho e depois de o local encerrar. Os dois arguidos permaneceram, de fevereiro a junho de 2017, em prisão preventiva e, depois, em prisão domiciliária até ao julgamento. Em fevereiro de 2018, foram condenados a quatro anos e seis meses de prisão com pena suspensa por um tribunal de Vila Nova de Gaia. Apesar de o Ministério Público ter recorrido da sentença por não concordar com a suspensão da pena, o Tribunal da Relação do Porto manteve a suspensão da pena.
Vários anos antes, em 2011, o Tribunal da Relação do Porto considerou que o psiquiatra João Villas Boas não cometeu o crime de violação contra uma paciente, grávida de 34 semanas, já que os atos praticados, considerados provados, não foram realizados com a violência a que a lei obriga. Os juízes que assinaram a ilibação do psiquiatra, que tinha sido condenado, em primeira instância, a cinco anos de pena suspensa, além de um pagamento de 30 mil euros à grávida de sete meses, consideraram ainda que a mulher não ofereceu qualquer resistência.
“Se a força física utilizada tem de ser a destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada, o que pode afirmar-se é que no que respeita ao coito oral não se provou qualquer tipo de resistência por parte da vítima. Ou, pelo menos, uma resistência que o arguido tivesse tido necessidade de vencer através do uso da violência», lê-se no acórdão.
Na altura, a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) considerou que o Tribunal da Relação do Porto “revitimizou a vítima” ao absolver, num acórdão “chocante”, o psiquiatra deste crime.