No passado dia 25 de julho, Kim Jong-un convocou uma reunião com o Partido dos Trabalhadores após tomar conhecimento de que um homem que fugiu da Coreia do Norte, regressou ilegalmente a Kaesong, cidade localizada a sul do país. De acordo com a Agência Central de Notícias da Coreia (KCNA, na sigla inglesa), suspeita-se que o homem possa estar infetado com coronavírus. A KCNA adianta, ainda, que o homem foi imediatamente colocado em quarentena, após os testes médicos terem revelado “resultados incertos”.
Esta segunda-feira, 27 de julho, as autoridades da Coreia do Sul confirmaram que, de facto, um fugitivo tinha atravessado a fronteira em direção à Coreia do Norte. Segundo o Ministério da Saúde sul-coreano, o país não tem confirmação de que o homem esteja infetado ou sequer tenha tido contacto com alguém infetado e a polícia local acrescenta que o homem estava a ser investigado por um crime sexual.
Em tempos de pandemia, continua a difícil perceber ao certo o que se passa dentro da Coreia do Norte. Poucos são os especialistas que acreditam que um país que faz fronteira com a China e que alberga cerca de 25 milhões de pessoas, tenha escapado com sucesso aos efeitos da Covid-19. A falta de testes pode ser uma explicação, mas a falta de informação para o exterior sobre casos detetados é a mais plausível.
Agora, se o suspeito de Covid-19 na Coreia do Norte testar positivo e levar ao aparecimento de um surto do vírus, esta poderá revelar-se uma das maiores ameaças ao regime de Kim Jong-un ao longo dos seus quase nove anos a liderar o país. O que está em causa, segundo os especialistas, é que os serviços de saúde da Coreia do Norte não têm para dar resposta aos eventuais surtos.
A Coreia do Norte já tinha fechado as fronteiras em janeiro, altura em que se começou a notar o aumento do número de casos. Este fator levou a uma considerável queda na economia do país, uma vez que Pyongyang, capital da Coreia do Norte, depende bastante de Pequim, capital chinesa, para manter a sua economia a funcionar. Se até mesmo em condições normais as medidas de entrada e saída do país já eram muito restritas, em tempos de pandemia o cenário acentuou-se. As viagens ao exterior são praticamente nulas, e os diplomatas e trabalhadores de ajuda estrangeira que entram no país são obrigados a cumprir uma rigorosa quarentena à chegada. Para além disso, muitos cidadãos norte-coreanos de classe média continuam proibidos de fazer viagens distantes sem a devida aprovação do governo.
Apesar da pouca informação que a Coreia do Norte passa para fora, os esforços para evitar um possível surto são notórios. No início do mês de julho, fontes diplomáticas de Pyongyang disseram à CNN que a utilização de máscaras e algum distanciamento social são práticas recorrentes entre os cidadãos norte-coreanos. Após o relato do aparecimento do caso suspeito em Kaesong, Kim Jong-un respondeu de imediato ao sucedido, ordenando que a cidade fosse isolada do resto do país, de acordo com a KCNA.
Esta preocupação em prevenir um surto ao máximo vem de um acumular de episódios que, no passado, ameaçaram o povo norte-coreano: a Grande Fome na Coreia do Norte conduziu ao declínio do país entre 1994 e 1998. Os principais fatores foram a crise económica, que surgiu após a separação e a própria extinção da União Soviética, que levou a uma diminuição significativa na produção e importação de alimentos. Para além disso, graves inundações e secas que assolaram o país contribuíram para o agravamento da situação existente. Nesta época, os esforços económicos feitos pelo país não se revelaram, de todo, suficientes para combater a crise, sendo que o número de mortos verificado ronda os 240 mil e os 3,5 milhões.
Posto isto, uma segunda crise de saúde na geração de Kim Jong-un, poderia revelar-se fatal na continuidade do regime, pois há várias décadas que a família Kim protege a todo o custo o direito de governar. Kim Jong-un é o terceiro membro da sua família a governar a Coreia do Norte, e os propagandistas construíram a imagem da família como “protetores e salvadores” do povo coreano. Assim, um surto de Covid-19 não controlado poderia pôr em causa a confiança que os norte-coreanos têm depositado no seu líder ao longo dos últimos nove anos.