Dois dias antes dos ataques de janeiro passado, que mobilizaram a França e o mundo, o diretor do Charlie Hebdo tinha terminado de escrever “Lettre Ouverte aux Escrocs de l’Islamophobie qui Font le Jeu des Racistes” (Carta Aberta aos Charlatões da Islamofobia que Jogam o Jogo dos Racistas). O livro, publicado pelas edições Les Échappés chegará às lojas esta quinta-feira e prevê-se que seja um êxito de vendas.
A revista francesa Nouvel Observateur faz capa com o tema e considera o livro uma pedrada no charco do movimento de solidariedade Je Suis Charlie. A revista chamou à obra “O ‘testamento’ de Charb” e revela alguns trechos em exclusivo, nos quais se podem ler duras críticas tanto aos meios de comunicação, como à esquerda e à direita.
“Na França, o discurso racista foi amplamente divulgado por Sarkozy, no seu debate sobre a identidade nacional”, escreveu Charbonnier. O autor considera que a imposição (judicial e política) do conceito de islamofobia serve sobretudo os interesses dos racistas, pois força as vítimas a identificarem-se enquanto muçulmanos.
“Que teoria retorcida é essa, segundo a qual o humor é menos compatível com o Islão do que com qualquer outra religião?”, pergunta o cartoonista. Para o autor, se é possível fazer humor com tudo, excepto com alguns aspetos do Islão, isso é uma forma de discriminação. E a esquerda também não sai incólume, pois Charb dirige-lhe algumas das palavras mais ácidas: “Está na hora de acabar com o paternalismo nojento do intelectual burguês, de ‘esquerda” e branco, que pretende validar a sua existência apoiando-se nos ‘pobres, infelizes e pouco educados'”.
O cartoonista considera que estes intelectuais, ao condenarem das publicações do jornal satírico procuram, por um lado, sobretudo a ribalta. E por outro, assumem que os muçulmanos ainda não descobriram o humor de segundo nível e por conseguinte, ao denunciarem os desenhos como islamofóbicos, estão pretensamente a defender os direitos de quem não o consegue fazer.
Para Charb, a decisão de alguns meios de comunicação de não republicarem os desenhos, com base no argumento de que isso iria certamente desencadear a fúria dos muçulmanos, foi precisamente o que irritou algumas associações de muçulmanos. Charbonnier reitera que o alvo do jornal que dirigiu nunca foi o Islão, mas alguns islamitas radicais que seguem o Alcorão de forma rígida, como se de um livro de instruções se tratasse.
“Ter medo do Islão é, sem dúvida, idiota, absurdo, e muitas outras coisas, mas não é um crime. (…) O problema não está no Alcorão ou na Bíblia, romances soporíferos, inconsistentes e mal escritos, mas no fiel que lê o Alcorão ou a Bíblia como quem lê as instruções de montagem de uma estante do Ikea”, lê-se num dos trechos divulgado pela L’Obs.