Sem público no estádio nem apoio popular fora dele, numa cidade em estado de emergência por causa da pandemia, os organizadores de Tóquio 2020 tomaram a única decisão possível para salvar a cerimónia de abertura destes Jogos Olímpicos: concentrar toda a atenção no esforço e dedicação dos cerca de 11 mil homens e mulheres que vão competir ao longo dos próximos dias, em busca da glória e da superação. Impedidos de celebrar com entusiasmo e alegria, como é tradição no ato inaugural dos Jogos, os japoneses preferiram antes, perante as câmaras de TV, cumprir um dos seus mais reconhecidos rituais: uma longa e demorada vénia aos atletas, que puseram no centro de todas as coreografias. A mensagem foi evidente: já que não podemos fazer a festa, aproveitem vocês da melhor maneira os dias de competição.
Pela primeira vez, em muitos anos, a cidade organizadora não desenhou uma cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos para mostrar ao mundo as suas virtudes, a força da sua história e as características culturais que a tornam única ao resto do mundo. Não houve exaltação de glórias passadas, como aconteceu em Pequim 2008, nem um desfile de cultura popular cosmopolita, como em Londres 2012. Também não se assistiu a uma viagem à história dos Olímpicos, só possível em Atenas 2004, nem à pirotecnia tecnológica de Los Angeles 84 ou de Sydney 2000. Nuns Jogos adiados, criticados até pelos poderosos patrões da indústria nipónica, em que se sucedem os pequenos dramas e as grandes peripécias relativas às rígidas regras sanitárias impostas pela organização, o momento da cerimónia de abertura nunca poderia ser de exaltação do espírito japonês. Nem sequer para convidar o mundo a “descobrir o amanhã”, conforme tinham prometido os organizadores dos Jogos quando ganharam a candidatura, em 2012, frente a Madrid e a Istambul.
O imenso estádio vazio foi aproveitado para dar ainda mais força ao sempre elegante – embora também por vezes desconcertante – minimalismo nipónico. Em todos os quadros, o mais importante foi exaltar o poder do desporto como veículo para unir o mundo. Exibir os atletas como um mistura perfeita entre o corpo e a mente e, de forma suave, mostrar como a sua capacidade de superação é a mesma que devemos usar para combater a pandemia – e daí também a presença de tantos médicos e enfermeiros, nos vários momentos da cerimónia.
Num contexto singular, e que se espera que seja irrepetível, houve a oportunidade, mesmo assim, para criar momentos com impacto e à altura do que se viu em algumas das melhores cerimónia de Olímpicos. Foi o caso, por exemplo, da dança dos mais de 1800 drones no céu de Tóquio, seguido da entrada em cena do coro infantil de Suginami, a cantar Imagine, de John Lennon, acompanhados pelas vozes, via TV, de Angélique Kidjo, Alejandro Sanz, Keith Urban e John Legend – um pequeno relance do que poderia ser, em condições normais, a cerimónia num estádio cheio e com os artistas em palco.
Mais anacrónico foi o sempre fastidioso – embora obrigatório – desfile das delegações nacionais, desta vez a acenarem e a marcharem para os aplausos de umas poucas centenas de convidados, todos concentrados na mesma bancada – além dos 3500 jornalistas que, como é hábito, aproveitam esse momento para escrever as suas crónicas e despachos sobre a primeira parte da cerimónia e só prestam atenção à comitiva do país a que pertencem.
A vénia de Tóquio 2020 aos atletas culminou com a escolha de Naomi Osaka para acender a chama olímpica, num gesto que a tenista considerou “ser o maior prémio e honra” que terá em toda a vida. Não deixa de ser, no entanto, também uma pressão acrescida para a japonesa, comparável, aliás, à que sofreu a velocista australiana de origem aborígene Cathy Freeman, que também foi a escolhida para acender a chama nos Jogos de Sydney, e depois teve de suportar o peso de uma nação inteira quando chegou à final dos 400 metros, num estádio repleto com mais de 120 mil espectadores, com todos a exigirem-lhe a vitória. A Naomi Osaka, já verdadeira heroína nacional com apenas 23 anos, também todos lhe pedem a vitória no torneio de ténis, apesar dela se ter afastado dos últimos torneios, por problemas de ansiedade. Felizmente, para ela, ao contrário do que sucedeu com Cathy Freeman, vai jogar sem a pressão do público.
Como todos os atletas, aliás, nos Jogos Olímpicos mais estranho de sempre. Veremos quem, dentre eles, merecerá as maiores e mais prolongadas vénias.