As recentes mortes de Sinisa Mihajlovic e Gianluca Vialli, dois monstros do futebol italiano, mexeram com Dino Baggio de tal maneira que o ex-internacional italiano veio a público pedir à ciência “respostas sobre os fármacos administrados para recuperar de lesões ou do esforço” no seu tempo de jogador. “Também gostaria que todo o mundo do futebol procurasse a verdade, o que não tem de ser necessariamente negativo. Seria uma operação de transparência”, desafia, em entrevista publicada esta quarta-feira na Gazzetta dello Sport, o antigo médio do Inter de Milão, Juventus, Parma e Lazio, que vestiu a seleção em 60 ocasiões, na década de 1990.
Hoje, aos 51 anos, Dino Baggio não esconde a preocupação pelas substâncias ingeridas ao longo da sua carreira, quase sempre decididas e administradas pelos médicos dos clubes, face ao infortúnio algo precoce dos dois antigos craques. O sérvio Mihajlovic morreu de leucemia, aos 53 anos, enquanto o italiano Vialli, de 58, não resistiu a um cancro do pâncreas.
“Este meu desabafo é o resultado da dor que carrego dentro de mim pelo desaparecimento do Vialli, que sempre considerei um amigo e que tanto me ajudou, do Mihajlovic e de outros rapazes que, como eu, jogaram futebol nos anos 1990. Há muitos, demasiados, que partiram. É necessário investigar as substâncias farmacológicas tomadas nesse período. Talvez não esteja relacionado ou talvez seja descoberto alguma coisa”, declara Dino Baggio, referindo-se, sobretudo, a suplementos vitamínicos.
Antes desta entrevista, o italiano tinha afirmado à televisão TV7 que “sempre houve doping” no futebol transalpino, criando um natural alvoroço num país com um histórico de casos célebres. Baggio acrescentava, porém, que “nunca foram tomadas coisas estranhas” e que era preciso investigar os efeitos de “certos suplementos” a longo prazo.
À Gazzetta dello Sport, esclareceu que queria referir-se à existência de controlo antidoping (e não de doping), de resto o argumento mais forte que o leva a pensar que nunca ingeriu substâncias proibidas. “Nunca soube ao certo o que tomava, mas certamente não era doping, porque nunca acusei nos controlos antidoping. Mas eram fármacos, que são coisas diferentes das substâncias naturais que talvez sejam usadas hoje. Esses fármacos, tomados durante tanto tempo, ainda estão no meu corpo, nos meus tecidos? Quem o sabe? Gostava que alguém me pudesse responder”, elabora.
O problema, precisou ainda, pode não estar neste ou naquele fármaco específico, mas na quantidade de vezes que o tomavam. “Uma pessoa normal toma um ou dois por semana, enquanto nós tomávamos uma quantidade considerável todos os dias. Há uma diferença”, nota. “Admito que estou preocupado. Tantas mortes, pessoas tão novas, não é normal. Devia ser feita uma investigação séria.”
Juventus investigada
As palavras de Dino Baggio ressuscitam as do treinador checo Zednek Zeman, que em 1998 afirmou numa entrevista à revista L’Espresso: “O futebol precisa de sair da farmácia. Há demasiadas drogas por aí.” O desenvolvimento muscular de Gianluca Vialli e de Alessandro del Piero foram visados pelo técnico, então ao serviço da Roma, o que levou o primeiro a apelidá-lo de “terrorista”. Marcelo Lippi, histórico treinador da Juventus, pediu cinco anos de suspensão para o seu homólogo, mas o que aconteceu foi uma investigação inédita às práticas clínicas no grande clube de Turim.
Um procurador da cidade lançou uma investigação à velha senhora, que redundou em julgamento, entre 2002 e 2005, sob as acusações de fraude desportiva e de uso de ilegal de fármacos. Em tribunal, Vialli foi um dos que reconheceu o seu uso, assim como Zidane admitiu o recurso a creatina (uma substância produzida pelo organismo que potencia a capacidade de esforço), mas nada à margem das leis em vigor.
O médico da Juventus, Riccardo Agricola, acabaria condenado a 22 meses de prisão, com pena suspensa, por uso de EPO (droga ilegal que aumenta o número de glóbulos vermelhos no sangue e melhora o desempenho desportivo) nos jogadores, mas um ano depois viria a ser ilibado em sede de recurso, por não se ter conseguido provar sem margem para dúvida o uso da eritropoietina, como é designada esta hormona que se tornou célebre devido aos inúmeros casos detetados no ciclismo.
À luz deste passado, outros jogadores que atuaram no futebol italiano durante anos 1990 estão a desvalorizar as declarações de Dino Baggio, a começar pelo atual selecionador nacional, Roberto Mancini, que não só jogou com Dino como também foi companheiro de equipa de Vialli e de Mihajlovic. “Estas coisas acontecem a todos, até às pessoas que nunca jogaram”, relativizou.
Impõe-se, ainda assim, questionar: as dúvidas de Dino Baggio serão algum dia respondidas? Pelo menos, as palavras de Zednek Zeman tiveram o mérito de não se perderem na espuma dos dias.