À beira dos 60 anos, John McEnroe é dos mais respeitados comentadores de ténis da atualidade, ao serviço do canal Eurosport. O homem que dominou a modalidade na primeira metade dos anos 80 “trocou umas bolas” com a VISÃO e outros meios de comunicação europeus, por videoconferência, em jeito de aquecimento. E ainda houve tempo para revisitar o passado, primeiro a propósito de Ronaldo e Messi, e depois a pretexto da ajuda tecnológica nas decisões dos árbitros.
O Open dos Estados Unidos da América comemora 50 anos. Qual a sua principal memória deste Grand Slam que venceu por quatro vezes?
Tenho muitas e na maioria são boas. Cresci a 15 minutos do recinto, por isso significava muito para mim. Sou suspeito, mas Nova Iorque é a melhor cidade do mundo. Ter feito parte do “Super Sábado”, em 1984, foi um grande momento [a 8 de setembro, naquele que é considerado o melhor dia da história do ténis, quatro partidas foram disputadas no número máximo de sets, ao longo de mais de 12 horas, envolvendo ainda os tenistas Jimmy Connors, Ivan Lendl, Pat Cash, Stan Smith, John Newcombe, Martina Navratilova e Chris Evert]. E ter batido Lendl, Connors e [Bjorn] Borg, consecutivamente, na edição de 1980, terá sido o meu maior feito em torneios do Grand Slam.
Com Borg, teve uma rivalidade que hoje pode ser comparada com a de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, no futebol. Ser assim desafiado por um adversário de alto nível faz o outro evoluir?
Se tens um grande rival, ele obriga-te a melhorar. O desejo é maior. De certa maneira, sinto falta desses tempos. Tive a sorte de estar no circuito profissional durante muito tempo, e depois também o defrontei em torneios de veteranos. Mantivemo-nos por perto e foi divertido. Um grande rival é a maior emoção que podes ter no desporto.
Como vê o futuro do ténis depois de Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic se retirarem? Há alguém em fila de espera para os substituir?
Será muito difícil alguém vir a ser tão bom. Eles levaram o ténis para outro patamar. Estamos a falar de três dos cinco melhores tenistas de sempre. Vai ser complicado surgir alguém nos próximos cinco anos, mas também ninguém esperava que o recorde de Pete Sampras [14 títulos nos quatro principais torneios, em 2002] fosse quebrado tão depressa. No desporto, é suposto melhorar-se, por isso, dentro de dez ou 15 anos, vamos olhar para alguém e falar dele com o mesmo alento que hoje nos suscitam Federer, Nadal ou Djokovic, o que de momento não é possível. Alguém há de aparecer.
Acredita que Djokovic pode voltar a ser número um do mundo?
Para mim, a chama dele continua viva e acredito que vai ganhar mais torneios do Grand Slam. Voltei a ver isso na terceira ronda em Wimbledon, frente a Kyle Edmund. Está a regressar ao que era. Vamos ver o que acontece, mas claro que ele tem condições para ganhar outro Grand Slam, ou mais dois, três, quatro ou cinco.
Diria o mesmo sobre Maria Sharapova? Ainda terá motivação para reentrar, por exemplo, no top 10?
De alguém que já ganhou o que ela ganhou, nunca se pode dizer que não pode voltar ao top 10. É um processo difícil, de momento, mas isso pode mudar rapidamente com um pouco de sorte. Ela já conquistou todos os Grand Slam e não é tão velha que não possa encontrar o caminho de volta ao mais alto nível. Ainda assim, certamente ela não é hoje a jogadora que já foi.
João Sousa tem como melhor ranking mundial a 28ª posição, em 2016, e hoje ocupa a 68ª. Vê nele potencial para atingir o top 20?
Não sei se tem potencial para chegar ao top 20, mas ele impôs-se como um profissional sólido no circuito. É um bom competidor e tem o respeito de todos, e isso é tudo o que se pode desejar. Ele entra no court e dá tudo. É dos tenistas mais competitivos, e penso que é por isso que tem estado tão bem no circuito.
A tecnologia está a chegar agora ao futebol, para ajudar nas decisões dos árbitros, mas no ténis existe há mais de uma década. É benéfica para o desporto?
Acaba praticamente com a relação entre o árbitro e o jogador. Na verdade, o árbitro já nem precisa de lá estar. Para um jogador é bom saber que, em caso de erro, existe a possibilidade de voltar atrás e de tomar a decisão acertada. É uma ferramenta importante, que dá mais tranquilidade aos jogadores.
Teria sido mais tolerante com os juízes se a tecnologia existisse nos seus tempos de tenista?
Podia ter gastado mais energia no meu jogo e menos a gritar com os árbitros.
O que lhe parece a nova regra que limita a 25 segundos o reinício do jogo após a conquista de um ponto?
Continua a pertencer ao árbitro a decisão de quando iniciar a cronometragem. Por isso, automaticamente, vai depender da sua avaliação. Poderá ser útil para os tenistas que recomeçam o jogo demasiado depressa. Parece-me desnecessário, no sentido em que será um fator de distração, mas também compreendo a necessidade de acelerar alguns jogos. De qualquer forma, não creio que vá afetar a competição.
Ataques de fúria célebres
1981 Na ronda inaugural em Wimbledon, John McEnroe explodiu assim que o árbitro considerou uma bola fora. “Não podes estar a falar a sério, homem. A bola bateu na linha, estava claramente dentro. Toda a gente no estádio viu, e tu dizes que bateu fora?” Pouco depois, atirou a raquete contra a relva e recebeu uma chamada de atenção do árbitro. Irado, ripostou: “És um tolo incompetente, uma ofensa para o mundo.”
1984 Em Estocolmo, contestou uma decisão do juiz de linha. O árbitro de cadeira manteve-a. “Até agora, não houve erros neste jogo, certo?”, perguntou-lhe o tenista. “Segundo serviço, por favor”, retorquiu o árbitro, ignorando-o. “Responde à minha pergunta, idiota”, explodiu. Depois, atirou a bola para a bancada, deu uma “raquetada” na cadeira de descanso e duas nos copos das bebidas.
1990 Só recebeu ordem de expulsão num torneio do Grand Slam. Aconteceu na Austrália, na sequência de três violações do código de conduta: em primeiro lugar, intimidou uma juíza de linha; depois, atirou a raquete ao chão, e, finalmente, insultou o árbitro.