O filme pertence à breve colecção de obras dos irmãos Coen que, em simultâneo, são raras, serenas, trágicas, cómicas, directamente realistas, densamente americanas, profundamente psicanalíticas e, por tudo isso, obras universais em valor absoluto. O filme é pois difícil de interpretar por transportar no interior, no interior do personagem, a lentidão da estrada, o deflagrar da desilusão, a tragédia interior que enfrenta a expressão cómica do cenário público. Da música, como móbil complexo e fulcral do sentimento, já lhes conhecíamos a excelência em “O Brother, Where Art Thou?” (2000). No caso presente (com produção de T-Bone Burnett), a voz principal de Oscar Isaac traz a voz verdadeira de Llewyn Davis, a verdade da voz humana que nos lê e nos contempla para nos comprometer, afirmando que nós somos quem aparentamos não ser. Quanto ao pacto de comprometimento maléfico já lhes conhecíamos a excelência em “A Serious Man” (2009). Naquele caso, Michael Stuhlbarg faz o enorme papel de “comediante” que está proibido de rir face ao pesadelo moral e ritual da sociedade que ele próprio implementa. Aqui, Oscar Isaac também não ri, nunca ri, mas faz sorrir maleficamente para depois criticar quem o fez afirmando que não é só os outros que são atropelados pelo azar. A afirmação da raridade cinematográfica do filme está no modo como os realizadores irmãos colocam brutalmente a maior ternura debaixo do rolo compressor e cego da realidade. Na verdade, Llewyn Davis faz-nos rir, mas de modo lento, em lume brando, para ter a certeza de que nós, os espectadores, também já vamos tendo os pés, as pernas, a alma, sob a opressão do acaso.
“A Propósito de Llewyn Davis” (Inside Llewyn Davis) de Ethan Coen e Joel Coen, 2012. Com Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, Ethan Phillips, Robin Bartlett, Max Casella, Jerry Grayson, Adam Driver, John Goodman, F. Murray Abraham, Garrett Hedlund.