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“Vénus de Vison / La Vénus à la Fourrure / Venus in Furs” é uma peça de teatro de David Ives, encenada por Roman Polanski, que, agora, decide trazê-la para o cinema. Sobre o palco está a encenação-realização-adaptação de uma famosa novela, publicada em 1870, do austríaco Leopold von Sacher-Masoch, o patrono do masoquismo. No local, está ainda presente um encenador, Thomas, desesperado por não encontrar actriz à altura do papel de Wanda von Dunayev. Ali também se encontrará Vanda Jourdain, encharcada até aos ossos, que, em dia de tempestade parisiense, chega atrasada à audição para o papel de Wanda. Thomas é o actor Mathieu Amalric, cansado e a um passo da desistência, e Vanda é a actriz Emmanuelle Seigner que, contra todas as expectativas, traz o papel integralmente decorado, empunhando até uma cópia maltratada, mas completa, da peça. Precisa de alguém para lhe entregar as deixas. Thomas, o encenador, terá a contragosto de fazer esse papel. Será o aristocrático Severin von Kusiemski.
O momento chave encontra-se na cena onde, de costas para Emmanuelle Seigner, ausente do plano, Mathieu Amalric escuta a voz transformar-se da vulgar Vanda Jourdain na misteriosa Wanda von Dunayev.
Agora, os dados estão lançados sobre o teatro e a eterna troca de papéis. O resto é sabido desde o aparecimento do homem, desde a Grécia passada, desde as Bodas de Fígaro. O ser ambíguo ou ser ambivalente que dará sempre o dito pelo não dito por uma côdea de pão ou pelo sorriso de alguém. O teatro, o cinema, a literatura e as belas artes são apenas máscaras ou espelhos desse ser humano. A música também. A seguir.
1) Este filme não é teatro. Porque a gestão da banda sonora de Alexander Desplat, provoca, intensifica, despoleta a acção narrativa, unifica as cenas e condensa a expectativa emocional do espectador. A abstracção sonora move-se sobre a chávena e a colher de um hipotético café oferecido, ou sobre a assinatura do contrato de submissão. A banda sonora contém o som silencioso da observação.
2) Esta peça não é bem cinema. Porque o aparecimento de uma Afrodite seminua envolta em (provavelmente) raposa do Árctico, num tom expressionista de cinema mudo, quase circense, a relembrar Vénus, as Bacantes, Eurípides, retira a carga lírica e melodramática que o cinema actual por vezes transporta de modo gratuito. Assim cai o pano sobre a peça (o filme) com um sorriso, um alívio, um toque de deusa ex-machina que nos liberta do medo do “poder” feminino ou masculino.
3) Este filme não é apenas dramático, é plástico. Porque as imagens sobre as quais corre a ficha técnica, vindas da época das Belas Artes mais clássica, mais barroca ou renascentista, colocadas em diaporama sucessivo, vem recordar deusas, afrodites, venus, danaes, mulheres.., despidas, expostas, belas, voluptuosas, despudoradas, entregando-se maravilhosamente e maravilhadamente a quem as olha. Vem comparar e testemunhar que a vergonha nas artes do século XXI ainda pode mover rios de tinta e teses de doutoramento apressadas.
A verdadeira beleza da arte dramática (e talvez da poderosa Afrodite) concentra-se nesse momento fugaz, tão ambíguo quanto ambivalente, quando verificamos que fomos levados pela pantomima (estratégia) de Polanski / Ives / Seigner / Amalric / Desplat. Fizeram-nos acreditar na tragédia, mas reparamos, agora à saída do cinema, que tudo afinal não passava de um sonho profundo, de uma diversão malévola, de uma magnífica tarde passada nas margens do teatro.
“Vénus de Vison” (La Vénus à la Fourrure) de Roman Polanski, com Emmanuelle Seigner, Mathieu Amalric. França/Alemanha, 2013.
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