Em Francis Ha, o novo filme de Noel Baumbach, as personagens vão para a cama para fazer… amizade. Assim mesmo, às cambalhotas, nas mais diversas posições, num Kama Sutra casto, com mais ou menos roupa, a preto-e-branco, como de antigamente. Os amores platónicos são os únicos que nunca se desfazem. Há laços que mais parecem nós. Noel Bamubach foi aquele realizador que surpreendeu a América (e talvez mais ainda a Europa), em 2005, com a Lula e a Baleia, uma história de desencontros familiares, filmada de forma naturalista, com um sentido de humor implacável. Produção independente, claro está, mas não demasiado arriscada, chegou para convencer a indústria. E, apesar do bom gosto, esperava-se um caminho de assimilação semelhante a tantos outros (como Jason Reitman ou David O. Russell). Mas houve apenas o aproveitamento do argumentista para séries de televisão ou até mesmo os filmes de animação O Fantástico Sr. Raposo e Madagáscar 3. Enquanto realizador, Baumbach revelou que ‘indie’ não era uma circunstância derivada do baixo orçamento, mas sim uma forma de encarar a arte. Se tal já era detetável no anterior Greenberg, torna-se flagrante em Francis Ha. Há um claro tributo à primeira geração da Nouvelle Vague francesa, além do uso do preto-e-branco, que no caso dos primeiros Godard terá sido fruto de uma carência tecnológica e não de uma opção estética (como acontece em Baumbach). Ao filmar a preto-e-branco, encosta-se antes a realizadores com Jim Jarmusch ou Wim Wenders. Porque, no caso, o preto e branco não vem de uma sugestão do meio envolvente, a cidade de Nova Iorque, mas apenas de um estado de espírito e de uma demanda estética.Também se pode encontrar o tributo à Nouvelle Vague em pormenores como o chapéu de Dan ou as cenas de cama. Mas há sobretudo uma forte influência na forma naturalista de lidar com os atores, que nos transmite a ideia de espontaneidade de quotidiano. Mas enquanto Jarmusch e Hal Hartley o fazem muitas vezes através de diálogos parados em busca de pequenos pormenores que nos dão uma sensação de non sense realista, Baumbach cria maior dinamismo através de uma personagem rica na sua ambiguidade. Uma bailarina desajeitada, cheia de sonhos que passam pela recusa determinada em passar definitivamente para a idade adulta, apesar dos seus 27 anos. Francis Ha não tem propriamente uma casa. Vive com uma amiga. É de uma fidelidade extrema. Funcionam como um casal. Elas próprias se definem como um casal de lésbicas que já não tem sexo há muito tempo. Essa frase serve, de resto, para abrandar a tensão sexual e afastar a perspetiva óbvia. Colocando a questão ao nível do amor platónico. Amor este que, no entanto, é bloqueador de amores realizáveis. Francis fica com o coração partido quando Sophie quebra a lógica e, a três tempos, muda de casa, arranja um namorado e emigra para o Japão. Francis, que se mantém constante, igual a si própria, tenta fazer uma réplica do modelo na nova casa que vai viver. Mas padece de falta de dinheiro e de estímulo. Só não lhe falta persistência. Francis Ha vive de um sentido de humor subtil, inteligente e quotidiano, que rodeia a personagem de Francis. A vida não chega a ser madrasta para Francis. Tudo se recompõe. E o filme, que nos mostra pormenores do dia-a-dia que não estamos habituados a ver no cinema, acaba por funcionar de retrato de uma certa geração nova-iorquina. E de uma forma casta, em que o sexo é de tal forma banalizado que se torna desinteressante. Um pós-hippie urbano, em louvor das novas famílias, que repudiam o modelo burguês de consanguinidade, em direção aos lares construídos espontaneamente, em círculos de amigos. Francis Ha, de Noel Baumbach, com Freta Gerwig, Mickey Sumner, Michael Esper, Michael Zengen, 86 min