É legítima alguma baralhação geográfica. Ainda que em tempos de globalização pouco ou nada nos surpreenda, as coordenadas não deixam de ser estranhas: o que levará o mais badalado cineasta iraniano da atualidade a filmar no Japão? Se perguntarmos ao próprio Abbas Kiarostami a resposta é simples e pouco esclarecedora: “A história é japonesa, ou melhor, é uma história universal que se enquadra no Japão”. Like someone in Love é a segunda etapa do movimento de fuga de um realizador afastado do seu lar, depois de Cópia Certificada. Conhecendo a filmografia de Kiarostami, até se encontra um envolvimento lógico. O realizador é um admirador assumido de Yasujiro Ozu, um dos maiores mitos de cinema japonês que, de resto, se comemora agora o centenário, com a reposição em cópia restaurada, no cinema Nimas, de Tóquio e o Gosto do Saké. É mais do que um admirador, Ozu é uma das principais referências, ao ponto de lhe ‘dedicar’ o filme, Five Dedicated to Ozu (2003). Like Someone in Love é um filme japonês com a suavidade e estilo de Kiaraostami. Mas, em momento nenhum, é um filme iraniano passado no Japão. Em termos de ambiente, esta Tóquio de néones, multidões e tecnologia em nada se parece com o espaço aberto do Irão de O Vento Levar-nos-á (1999). A história encontrada era de tal forma japonesa, que o realizador resistiu à insistência do produtor em filmar num local financeiramente mais favorável. Percebemos Shirin, logo desde a primeira cena. A forma como (não) usa o campo-contracampo. Tal como em Shirin (2008), filme em que Kiarostami apenas mostra as reações de mulheres no cinema, ficamos do lado do espetador. Nem conseguimos localizar a voz, o âmbito da conversa, um espaço para nos encontrarmos. É assim um início de grande estranheza, até nos esbarrarmos com uma conversa de telemóvel. E uma situação de faz de conta. Kiarostami desmontou Tóquio enquanto cidade de plástico, que se desfaz em camadas, nada é o que parece ou melhor, tudo se quer parecer com o que não é. Akiko, a personagem feminina central, desfaz-se entre dilemas e jogos de aparência. Nós temos acesso ao seu plano ‘real’, uma acompanhante de luxo, ao serviço de um proxeneta com classe, de discurso racional, mas que ainda assim não lhe permite escapatórias e lhe exige profissionalismo selvagem. Vive num confronto entre quem é quem gostaria de ser. Entre o presente e o passado, representado pela sua avó, que vem ao seu encontro na grande cidade. Mas também o conflito entre ‘presentes’, através do qual se desenvolve a trama, numa bipolaridade difícil de manter: entre a sua vida de prostituta de luxo e a namorada fiel que estuda na faculdade. Esse jogo de máscaras, de faz-de-conta é ampliado em toda a segunda parte do filme, com a personagem Takashi Watanabe (homenagem a este outro realizador nipónico?), um excelente papel de um veterano do cinema japonês, Tadashi Okuno. Há uma representação dentro da representação. Ele desempenha o papel de avô na perfeição, e ela deixa-se seduzir pela imagem de uma neta, filha de um escritor e professor. Tudo se torna insustentável, como a maquilhagem em excesso. Mas a delicadeza dos diálogos, a forma simples como tudo se constrói, numa certa mestria japonesa de outros tempos, que Kiarostami há muito importa para a sua forma de filmar. Para título, Kiarostami escolheu Like Someone in Love, que é um standard do cancioneiro americano, escrito por Jimmy Van Heusen e Jimmy Burke, para a banda sonora de Belle of the Yukon, de William A. Seiter (1944), primeiro cantada por Dinah Shore, depois celebrizada por Bing Crosby. Não há qualquer ligação entre os filmes. O que importa aqui é pormenor da conjunção comparativa: ‘Como alguém apaixonado’, e não ‘alguém apaixonado’. Neste filme, ao exemplo do que é vulgar conhecermos da sociedade japonesa (a proliferação de lookalikes leva a centenas de imitadores de Elvis, Edith Piaf e até Amália Rodrigues), há um fenómeno constante de minemetização. O ser confunde-se com o parecer. Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami, com Tadashi Okuno, Rin Takanashi, Ryo Kase, Reiko Mori, 109 min