É um dos grandes filmes de autor que aparece, agora, em cartaz, no aluvião pré-óscares. Grande Prémio do Júri em Cannes, do premiadíssimo autor de Gomorra (2008). Quando passou por Lisboa para a ante-estreia de Reality, Matteo Garrone confessou que, de início, a intenção era fazer uma comédia, mas depois a tragédia contaminou o argumento. E é a tragédia de Itália, mais densa e negra (ou melhor, mais cintilante e cor-de-rosa), do que a nossa, mas a sensação de que para lá caminhamos, cantando e rindo, oprime e deprime. O início é genial, um “plongée” aéreo sobre os arrabaldes de Nápoles, só vento e o tom cinza e indistinto das casas pardas, mas a câmara vai-se acercando e foca uma carruagem da gata borralheira (sim, aquela mesmo que veio da abóbora), puxada por dois cavalos brancos. E aí começa a fantástica música de Alexandre Desplat. E fantástica é o adjectivo certo, porque entramos no mundo da fantasia, dois seres vestidos “à dama antiga” vêm abrir ao portão e já estamos dentro de uma espécie de eurodisney dos casamentos. Mais kitsh não se pode imaginar. Há cascatas para as fotografias, salões dourados, pombinhas a esvoaçar. A grande atração das festas é um ex-concorrente do Big Brother, que diz umas banalidades ao microfone (“never give up”), distribui autógrafos, não canta, não dança, é famoso por ser famoso e faz “presenças”, em casamentos e discotecas. O fim da fábula acontece quando a família (de um grotesco muito semelhante ao de Ettore Scola, “Brutti, Sporchi e Cattivi”, 1976) regressa a um palácio setecentista escalavrado, cheio de pátios e provectas escadarias, e começa a despir as lantejolas, e as mulheres arrancam as pestanas falsas, ficam de meias até ao joelho, chanatos e combinação. O protagonista, pai de família, vive de esquemas e de uma banca de peixe e tem uma obsessão, a de entrar na casa do Big Brother, vai fazer um casting a Cinecittà (aonde chegaram os gloriosos estúdios do cinema italiano…), e sente-se observado mesmo estando fora da casa. A questão é que ele e a família há muito que andam numa realidade paralela, alternativa, a passearem em supermercados e outlets com palmeiras, que são iguais em toda a parte do mundo e naquelas medonhas piscinas de escorregas. O elenco é especial, Garrone selecionou-os entre os atores de teatro de província e têm caras espantosamente neorrealistas. E se pensarmos que o protagonista, Aniello Arena, (um misto de De Niro e Stallone) é presidiário, condenado a prisão perpétua, autorizado a ir às filmagens durante o dia, na condição de regressar ao presídio à noite, o filme ganha uma nova camada nesta questão da realidade paralela, rigorosamente vigiada 24 horas por dia. E de se estar presos do lado de fora.
De Matteo Garrone. Reality, com Aniello Arena, Loredana Simioli, Nando Paone, Nello Iorio. Comédia. 115 min. Itália. 2012