Faz parte do marketing dos artistas: quando as carreiras estão meio represadas, ou a fama a precisar de um lifting, ou a concorrência a dar demasiado nas vistas, volta e meia há um que adere ao budismo, outro que adopta um nome excêntrico ou uma criança tailandesa… É uma espécie de reforcing confidence, ou de “afago de ego”. Também já houve muitos documentários que reflectem experiências radicais para denunciarem qualquer coisa. Ou se procede a um enfardamento de hamburgures três vezes ao dia durante um mês (Super Size Me, de Morgan Spurlock). Ou se força provocadoramente a própria detenção (Michael Moore). Ou se deixam comer por ursos grizzly – enfim, digamos que no caso de Grizzly Man, de Herzog, ser devorado não consubstancia um acto tão voluntário quanto isso. E na ausência de tudo isto consiste a originalidade – para usar um eufemismo – do filme I’m Still Here, (com o subtítulo: O Ano Perdido de Joaquin Phoenix), de Casey Afflect, (estreia-se, hoje, dia 16). É que nem a carreira do Phoenix – uma trintena de filmes e duas nomeações a Óscar – estava a precisar de algum empurrão nem o filme do amigo e cunhado (Casey é casado com uma irmã de Phoenix) tem alguma intenção subjacente. Nem ideológica nem denunciadora e muito menos estética. É de uma vacuidade absolutamente sobrelotada de tralha.
Não é que Joaquin Phoenix não passe por uma experiência radical. Sim, deixa de se escanhoar, desmazela o cabelo, contrata prostitutas pela internet enquanto urina no WC, snifa cocaína, espanca os assistentes nus com um pano (e atenção que este não é o pior momento do filme). Basicamente, durante um ano ocupou-se a deixar crescer uma barba à robinson crusoé, a dizer umas incongruências em público, a fazer figuras de parvo e espectáculos deploráveis… – o que é bastante ousado para a imagem de qualquer um, quanto mais para a de um actor que se tem destacado por papéis bastante densos.
Este é um caso de um filme que começou muito antes do genérico. Numa jogada assim à Orson Welles, com as devidas e quilométricas distâncias, Phoenix anunciou que se iria retirar da carreira de actor. E toda a comunidade de Hollywood e de Paparazzi se alvoroçou (embora muito moderadamente). Estava farto, disse, de debitar as frases dos outros, Queria “deixar sair algo de si” e declara que, a partir daí, se vai tornar num rapper. Começa a assumir atitudes estranhas em público, tem uma conversa cheia de laconismo e incoerências, mas a punch line quem a dá é David Letteerman no seu Late Show quando no final da entrevista diz: “É uma pena você não ter podido estar aqui hoje”…
Casey acompanha o que parece mais ser uma “egotrip” de Phoenix, preste a entrar em colapso mental. Através de planos supostamente intrusivos, artesanais e até distorcidos, entramos no jogo do voyurismo: o actor a fazer sexo oral, a vomitar, a deixar que um assistente lhe defequem na cara enquanto está a dormir e (pior?) – a exibir os seus dotes sofríveis enquanto rapper. Só que assim que o filme estreou em Veneza, Phoenix reapareceu com o seu ar limpinho, sem barba nem óculos escuros, lúcido e já a dizer coisa com coisa: tratava-se de um mockumentary, um “fake doc”. Durante o ano de rodagem, ele garante que esteve sempre em cima do palco. O fenómeno pariu um rato. A partir desta confissão, o que fazer com este filme? Na verdade nem consegue gerar polémica, por mais que o realizador exiba a sua obsessão por nus frontais masculinos e nus perfilados femininos. Todos já sabíamos que pelas bandas de Hollywood o show-off abunda, que a indústria do entretenimento é autofágica e se alimenta dos seus próprios cadáveres.
Dizer que as linhas entre a ficção e a realidade estão indefinidas é pouco – elas estão completamente desfocadas. Casey Affleck chamou-lhe uma “peça perfomativa”. Mas ao longo dos longos 108 minutos do filme a sensação que dá é que aquilo que tencionavam dizer acerca da fama, da glória e da celebridade tem a profundidade de um bidé (só para manter o registo repulsivo do filme). Affleck e Phoenix até podem beneficiar da má publicidade. Mas de resto, não se percebe quem fica a ganhar com tudo isto. O cinema não é, de certeza.