As florestas
Há dezenas de anos que ouvimos, quase todos os dias, a maior parte do ano, os tratores e atrelados, vazios, a entrar pelas florestas, a subir os montes e as serras. Ao fim do dia, ou durante todo o dia, descem, lentamente, a chiar, carregados de troncos de árvores acabadas de abater para ir alimentar uma fábrica de papel, algures. Ninguém sabe o que foi abatido, porquê, para quê, com que consequências, segundo que plano. O que não vai para a fábrica fica no chão. Cada um faz o que quer, quando quer, como quer, segundo os seus interesses pessoais, a curto prazo. Se me apetecer abater uma árvore centenária, que se encontra no meu jardim, nada me impede de o fazer. Não há políticas sustentadas pelas comunidades locais, não há planeamento, controle ou fiscalização. Não há programas de manutenção da floresta, não há informação local nem atividades permanentes de sensibilização. Não há informação institucional, atualizada, pública, útil, sucinta e legível. No verão, gastam-se centenas de milhões de euros a apagar incêndios que podem ser evitados. Há pessoas que morrem, outras que ficam feridas. Os prejuízos deste estado de coisas, atingem valores ofensivos.
O que podemos fazer como cidadãos e como sociedade civil?
Empresas e colaboradores. Famílias e comunidades
Conheço uma fábrica enorme que há pouco tempo duplicou a sua produção, ampliou as suas instalações, aumentou a altura das suas chaminés e ao fim da tarde, ao caiar da noite, expele os resíduos dos seus fornos. Será isto seguro para as centenas de pessoas que lá trabalham, para os milhares de pessoas que vivem à volta? A uma dezena de quilómetros, as telhas vermelhas dos telhados, estão cobertas de pó preto. A empresa não tem informação no seu side sobre o impacto da sua atividade nos seus empregados, famílias e comunidades envolventes. Também nada diz sobre o impacto da sua atividade na fauna e flora. Como protege a empresa a biodiversidade e repõe o que consome? Há algum programa que siga, durante alguns anos, a saúde das pessoas, das crianças e das famílias que vivem à volta da empresa? O que dizem os serviços de saúde locais sobre o estado de saúde das pessoas? O que faz esta fábrica, ou qualquer outra, para preservar a qualidade do meio ambiente das pessoas? O que as empresas escrevem nos seus sites são elogios a si mesmas e textos de promoção. Para onde vai a quantidade enorme de água que a fábrica utiliza e polui? Para o rio a 500 metros de distância? O que faz a empresa para reduzir o seu consumo de energia e de matérias-primas, diminuir a produção de lixo? O que faz com os lucros, são exportados? Que se saiba, nada de realmente relevante é reinvestido nos colaboradores, nas famílias, nas comunidades e no meio ambiente. Fica o lixo e -provavelmente- centenas ou milhares de pessoas com uma saúde debilitada e sem perspetivas de um futuro melhor, porque não houve investimento na formação profissional. Muitas empresas têm dificuldade em sentir empatia e compaixão, quando olham para os seus colaboradores e comunidades locais.
Como reagir às agressões dos diretores, administradores e acionistas?
É frequente encontrar empresas de grandes dimensões, nacionais e multinacionais, com um estatuto jurídico de Empresa Unipessoal. Esta forma jurídica oferece muito pouca segurança aos colaboradores. Não há infraestrutura empresarial, os salários são baixos, a precaridade e a insegurança são permanentes, a formação profissional irrelevante ou inexistente. No caso de deslocalização ou encerramento da empresa, as famílias e a região enfrentam uma catástrofe pois os municípios e as juntas de freguesia não têm políticas económicas locais que visem manter as famílias e as comunidades. As empresas locais ou estabelecidas na região também não são motivadas para se modernizarem, serem mais criativas, resistentes e rentáveis. A legislação vigente, antiquada e não raramente, viciada, permite -seguramente- este estado de coisas.
Nestas condições, como conseguem as pessoas sobreviver e fixar-se?
Os rios
Alguém sabe qual é a qualidade da água do rio, aqui ao lado, do estado da fauna e da flora das suas margens? Há peixes e outros animais? Já houve lontras! Qual é o seu estado de saúde, quais as espécies que estão ameaçadas ou em vias de extinção? Há algum plano ou relatórios anuais, compreensíveis e acessíveis sobre -por exemplo- a biodiversidade? Que se saiba, nada de relevante está publicado. O teor da informação existente é: “Está tudo bem. Não se preocupe.”
O cidadão e a sociedade civil são mantidos à distância.
Pedreiras e lixeiras de tratamento de resíduos
A uma dezena de quilómetros de distância há uma pedreira desativada onde durante dezenas de anos saíram camiões com granito, ou outra coisa qualquer, e onde quase todos os dias se ouviam enormes explosões. As casas de habitação tremiam, as pessoas assustavam-se, as crianças choravam. Entretanto, os restos de construções milenárias (castros) desaparecerem, as fendas nas casas, essas ainda lá estão. A lixeira, a céu aberto, pertence a uma empresa que se dedica a esta atividade. O cheiro é intenso, as infiltrações no solo devem ser permanentes, e num raio de 1 ou 2 quilómetros vivem dezenas, talvez uma ou duas centenas de famílias. As pessoas não sabem se estão em segurança ou não, se a sua saúde é ameaçada ou não. Mais uma vez, não se encontra informação relevante disponível e de confiança sobre o impacto da atividade da empresa no meio ambiente e na saúde das pessoas. A empresa informa que tem as melhores intenções, que respeita a lei e que é uma excelente empresa, mas não dá qualquer informação concreta sobre o que faz -por exemplo- para proteger a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores, a comunidade envolvente e o seu meio ambiente.
A atual legislação das atividades económicas parece ser condescendente e permissiva para com as empresas, omissa na proteção das comunidades locais e do interesse coletivo. Esta situação institucionalizou a conflitualidade e os comportamentos associais.
A perceção de situações tóxicas e traumatizantes, afeta gravemente a saúde e a existência de todos nós, indivíduos e sociedade.
Democratizar o lobby político
A quase totalidade dos cidadãos, independentemente do seu estatuto socioeconómico e cultural, não está em contacto com políticos, governantes, autarcas, gestores ou acionistas, contrariamente ao que fazem as organizações empresariais e profissionais. O lobby político, ou seja, a atividade desenvolvida com a intenção de influenciar decisores públicos a tomar decisões favoráveis a interesses particulares ou de grupos específicos é absolutamente legal, mas é também algo que a sociedade civil tem descorado.
As pessoas que não se conseguem fazer ouvir, a grande maioria das pessoas, podem promover mudanças e fazê-lo de forma eficiente, recorrendo à prática do lobby. Os moradores de cada aldeia, de cada rua, bairro social ou condomínio fechado, podem fazer uso da internet para trocar informações e opiniões de forma agradável e segura e podem -quando quiserem- alargar os seus grupos a outras regiões, promover atividades ou encontros. Este ativismo social pode conduzir a atividades de lobby político. Os cidadãos podem acordar entre si reunir com (candidatos a) deputados, governantes, autarcas, assessores, diretores gerais e grupos económicos, informá-los sobre o que pretendem, fazer-lhes propostas e propondo acordos. Por exemplo, promover ou apoiar candidaturas a órgãos de soberania mediante o compromisso de iniciativas concretas e reuniões periódicas de trabalho. Desta forma, são os cidadãos que têm a iniciativa, promovem Políticas de Coesão Social, e dão mais qualidade à democracia e à governação.
É necessário quebrar o nosso isolamento e reduzir a nossa depressão.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.