Um dia antes do lançamento do seu novo álbum (21 de março), Capicua apresenta Um Gelado Antes do Fim do Mundo ao vivo em Lisboa (nesta quinta, 20) e, uma semana depois, no Porto (27). Em palco estará acompanhada por Luís Montenegro (não, não é o primeiro-ministro…), Virtus, D-One, Inês Malheiro e Joana Raquel, para interpretar “quase na íntegra” um álbum “de protesto mas também de esperança.”
O fim do mundo já é tão inevitável que apenas nos resta saborear um gelado antes de tudo acabar?
Não seria tão catastrofista, mas acho que há uma sensação de fim dos tempos no ar, bastante palpável. Nesse sentido, este disco é uma espécie de intervalo no meio do caos, uma pausa nessa sensação, em que proponho que as pessoas escutem música, poesia, agucem o espírito crítico, renovem os seus votos com a capacidade de se impactarem com a arte, com o encantamento, com todos esses antídotos que são muito poderosos contra o adormecimento vigente, a dopamina rápida. Vivemos num mundo muito desafiador, em que há uma tendência para o escapismo e para a alienação. E a cultura, a música, a poesia, tal como a Natureza e todas as oportunidades de êxtase, servem para nos limpar as lentes com que olhamos o planeta. Renovar os votos com a esperança é cultivar esse encantamento quase pueril que vamos perdendo ao longo da vida e é o tal antídoto para o cinismo vigente.
Trata-se de um disco de protesto, de revolta ou esperança?
Diria que é de protesto e esperança, porque sendo crítico, falando daquilo que são os grandes temas da nossa atualidade, daquilo que me preocupa e sinto como mais urgente, cumpre ao mesmo tempo o propósito de aguçar o espírito crítico, cultivar o encantamento e fazer essa alquimia que a cultura permite: emocionar-nos e fazer-nos pensar. O objetivo final passa por cultivar a esperança, tentando que as pessoas pensem noutras possibilidades de futuro e em novas utopias. A cultura tem de assumir esse papel de estímulo para que o pensamento e a esperança se renovem.
A cultura tem de assumir o papel de estímulo para que o pensamento e a esperança se renovem
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Sendo o sentido de intervenção social e política um marco na sua música, concorda que existe uma maior urgência no modo como os assuntos são abordados neste disco?
Concordo. Com o agudizar dos problemas, o extremar dos conflitos, o aumento das tensões, o crescimento da extrema-direita, as questões climáticas, a toxicidade do debate público e tantas coisas que se foram extremando nos últimos anos, estranho seria se a minha escrita não acompanhasse esse aumento da tensão e de cerrar dos dentes que o mundo vive.
Em tempos tão polarizados como os atuais, é importante para os artistas assumirem as suas posições, mesmo correndo o risco de alienar parte do público?
Não quero dar lições de moral a ninguém, acho que os artistas devem ser livres de fazer a sua arte e de se cumprirem artisticamente como quiserem. Por isso, não acho que haja uma forma certa de estar na arte ou na música. Mas no meu caso, que cresci inspirada pela geração dos cantores de Abril e, depois, na adolescência, descobri a cultura hip-hop, sempre foi óbvio que a palavra e a música eram indissociáveis e que podiam ser uma ferramenta para a mudança das mentalidades e do próprio mundo. Para mim, a música faz sentido assim, é a minha forma de estar e de me cumprir artisticamente. E de acordo com a escolha que fazemos haverá sempre parte do público que vai gostar mais ou menos. Mas eu nunca quis ser consensual e também não estou aqui para entreter ninguém, faço aquilo que tenho de fazer para me cumprir… Vivo com as consequências das minhas escolhas, não penso nisso dessa forma estratégica.
Como vão ser estes espetáculos? Centrados só no novo álbum?
São concertos de apresentação em que vamos tocar o disco quase na íntegra. Mas, claro, há sempre uma canção ou outra de outros álbuns a que faz sentido voltar.
Capicua > Teatro Tivoli BBVA, Lisboa > 20 mar, qui 21h > Casa da Música, Porto > 27 mar, qui 21h30 > €12,50 a €25