O cinema iraniano mantém intacta a sua capacidade de contar histórias, de uma forma genuína e real que dificilmente se encontra no Ocidente. Asghar Farhadi, um dos nomes mais sonantes duma geração de grandes realizadores do país, consegue sempre expor ou explorar o lado mais humano das suas personagens e situações, sob o manto do quotidiano. Em Um Herói coloca-nos perante um dilema moral, que ao mesmo tempo denuncia, ao de leve, as contradições quase caricatas do sistema penal iraniano.
Em termos de acutilância político-social, o filme fica a perder perante o recém-estreado O Perdão, da dupla Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, ou o extraordinário O Mal Não Existe, de Mohammad Rasoulof, que abordam o tema da pena de morte no Irão, com grande coragem, apesar de não se atreverem a encarar o tema dos presos políticos. Em Um Herói, o drama é sobretudo social e não há sequer um pequeno esboço de acusação ao regime iraniano. A história quase que poderia figurar num clássico norte-americano de Frank Capra.
Um homem que está preso por causa de uma dívida aproveita os dois dias de licença para convencer o credor a retirar a queixa. A sua amante encontra uma mala perdida com moedas de ouro, que ajudariam a resolver a situação, mas ele opta por devolver a mala à dona. A partir daí constroem-se camadas de moralidade, com uma densidade que não chega a ser trágica, mas que nem por isso deixa de comover. Não há linhas claras. Todas as personagens revelam fragilidades morais, enquanto tentam sobreviver num mundo injusto. Em simultâneo, foca-se o poder moral e manipulador das redes sociais na tecnologicamente arcaica sociedade iraniana. Há um jogo entre o ser e o parecer. E não é pelo facto de os telemóveis serem obsoletos e os vizinhos estarem realmente próximos que o digital deixa de ganhar fulgor.
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Um Herói > De Asghar Farhadi, com Amir Jadidi, Mohsen Tanabandeh, Fereshteh Sadre Orafaee, Sahar Goldust > 127 minutos