Tomás vive na garagem da casa do tio que o criou, safando- -se com trabalhos precários e esquemas. Doc, o seu único amigo, vive do subsídio de invalidez e dos biscates que Tomás lhe arranja. Maurício faz o luto da mulher e vive na esperança de ver o sobrinho mudar de vida – “O que aconteceu a toda aquela ternura?”, pergunta-se. Numa noite, Tomás cruza-se com Ana, uma prostituta, filha de imigrantes russos, que acaba de ser espancada pelo seu chulo, que é também seu namorado.
Estão, os cinco, profundamente sós. O futuro é um vazio. O passado é uma amálgama de histórias que ninguém quer contar. “As personagens falam por debaixo das palavras. São mais do que aquilo que dizem”, afirma o encenador João Lourenço, que apresenta, pela quarta vez, uma peça do dramaturgo irlandês Conor McPherson, Noite Viva. Para o diretor artístico do Teatro Aberto, a aparente superficialidade dos textos de McPherson traz grandes desafios dramatúrgicos. O cartaz do filme The Great Escape ou a música What’s Going On, de Marvin Gaye, hino contra a Guerra do Vietname, não estão lá por acaso.
Desta vez, João Lourenço e Vera San Payo de Lemos foram mais longe no “trabalho de campo” e fizeram um filme (correalizado por Rui Neves) para juntar ao espetáculo. O resultado é uma experiência de cine-teatro, feita da ligação entre o que se passa ao vivo, na garagem de Tomás – com Vítor Norte, Filipe Vargas, Rui Mendes, Anna Eremin e Bruno Bernardo –, e o que se mostra no grande ecrã. Na tela, surgem outras personagens – interpretadas por Irene Cruz, Ivo Canelas, João Perry, Rita Cabaço, entre outros – e mais histórias, inventadas por João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, que vêm dar espessura ao núcleo central. “Gosto muito destas personagens. São desequilibradas, mas não precisam de ninguém. Não são uns coitadinhos. Estão sozinhos, só precisam de um abraço”, diz o encenador. “Não estamos todos um pouco assim?”
Noite Viva > Teatro Aberto > Pç. de Espanha, Lisboa > T. 21 388 0086 > qua-sáb 21h30, dom 16h > €7,50 a €15