Quem já desdenhou do sentido de humor dos alemães que agora dê a primeira gargalhada. A primeira virtude de Toni Erdmann, o filme de Maren Ade que está nomeado para o Oscar para o melhor filme estrangeiro, é desfazer o mito de que os alemães não têm qualquer graça. Afinal, eles sabem rir. E até se riem de si próprios. Contudo, desfaça-se já o equívoco, apesar de proporcionar umas boas gargalhadas, Toni Erdmann não é uma comédia, no sentido mais convencional da definição do género, até porque há um contexto realista atual e uma entoação dramática no retrato cru de um mundo contemporâneo complexo, frio e globalizado.
De forma leve e ponderada, Toni Erdmann propõe-se fazer um ensaio sobre a forma como o capitalismo selvagem e a globalização económica deterioram drasticamente a qualidade das relações humanas. Mas talvez aqui também se possa acreditar que o humor pode salvar o mundo… Ou pelo menos alguns pequenos mundos. Winfried, um excêntrico professor de música de liceu, sente que está a perder a sua filha para a globalização e tenta salvá-la, encarnando uma personagem bizarra, a que dá o nome de Toni Erdmann.
Ines, a filha, trabalha na Roménia numa daquelas firmas que se subcontratam para reestruturações empresariais, ou seja, para “agilizar” os despedimentos. É cega, ambiciosa e fria no seu trabalho. Winfried, como aquela mãe holandesa que partiu para a Síria para resgatar a filha do Estado Islâmico, faz de tudo para devolver a Ines um certo sentido da vida. Cria então uma máscara com o objetivo último de desfazer as máscaras que ela própria transporta.
É assim um filme de um realismo cru e extremamente atual, mas com maravilhosos rasgos de magia e humanidade. Toni é um panela de água a ferver num mundo gelado. Um pouco como Amélie Poulain, mas menos piegas; como Goodbye Lenine, mas na desesperada tentativa de derrubar os muros invisíveis que entretanto se construíram e se revelam ainda mais robustos do que os anteriores. Maren Ade tem o incrível mérito de usar bem o humor e o espanto, embora sem se afogar nele. E também de encontrar dois excelentes atores, que se sabem desfazer em camadas…
Toni Erdmann está nomeado para o Oscar para o melhor filme em língua estrangeira. Mas o atual clima anti-Trump faz com que O Vendedor, do iraniano Asghar Farhadi, seja o grande favorito.
Toni Erdmann > de Maren Ade, com Sandra Hüller, Peter Simonischek e Michael Wittenborn > 162 minutos