A cinematografia iraniana é tão rica e vasta como o país e rebate muitas vezes os muitos preconceitos ocidentais, revelando uma sociedade relativamente mais aberta apesar dos amplos preceitos sociais e religiosos. Isto apesar de casos como Jafar Panahi que foi impedido de filmar no seu país por se considerar que a sua obra atentava contra o estado. Asghar Farhadi, autor de filmes como Uma Separação (2011) ou O Passado (2013), está alinhado com a onda neorrealista e poética do cinema iraniano, com uma visão contemporânea sobre o país.
Com uma agilidade dramatúrgica notável, em que lentamente o enredo ganha intensidade e expressão para lá do retrato de costumes, Farhadi faz um jogo de espelhos com A Morte de um Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, a peça que está a ser ensaiada por Emad e Rana num grupo de teatro local. No teatro, há uma sensação de falsidade, sobretudo quando no ensaio Rana, no papel de Linda, se queixa por ser obrigada a ir para a rua sem roupa e sai porta fora com uma vistosa gabardina, o que provoca o riso do ator com quem contracena. Fica a sugestão de que os Estados Unidos de 1945 estão irremediavelmente distantes do Irão de 2016. Contudo, nesta espécie de arrevesada glosa, Farhadi demonstra os atributos universalistas da verdadeira arte: se o teatro imita a vida, a vida imita o teatro. E Rana sofre na pele um inusitado ataque violento, dentro da sua própria casa, que a traumatiza. O seu marido, Emad, a personagem central do filme, debate-se com um dilema moral, perante a revelação e confronto com o agressor. O cerne é mesmo a moralidade, quando, em situações extremas, o desejo de vingança, de humilhar de quem humilhou, corrompe os princípios éticos de um homem bom, fazendo com que agressor e vítima invertam os papéis. E, nesse sentido, tal como a peça de Miller, o filme de Farhadi é tremendamente universal.
O Vendedor > De Asghar Farhadi, com Shahab Hosseini, Taraneh Alidoosti, Babak Karimi > 125 min