
Para além da produção de sal, a Marinha da Noeirinha, em Aveiro, tem visitas guiadas feitas pelos marnotos, loja e piscina de água salgada
Lucília Monteiro
São mais de 50 as pás utilizadas na produção do sal. Nas paredes da receção da Marinha da Noeirinha, em Aveiro, exibem-se algumas, com a respetiva legenda. Há a pá do sal, a do tabuleiro, a de amanhar o mandamento, a cova, o rapão, a razoila, o galho da lama, o canejeiro, o maço… ferramentas imprescindíveis para a safra. Na verdade, poderiam escrever-se umas boas páginas de dicionário só com os termos utilizados pelos marnotos, os trabalhadores responsáveis pela extração artesanal do sal. Nas visitas guiadas, Alberto Chipelo, 58 anos, é um defensor do rigor terminológico. “Aqui não são salinas, são marinhas, porque há um contacto direto com o mar”, esclarece. “Este puzzle forma, no seu conjunto, o mandamento, e, se não existisse, nunca chegávamos a ter sal”, diz. A água da ria tem um caminho a fazer entre compartimentos retangulares, com nomes como algibés, caldeiros, talhas e cabeceiras, até chegar aos da cristalização do sal – os meios de cima e os meios de baixo –, onde se rê (rapa) o “ouro branco” (como era conhecido o sal no tempo dos Fenícios), juntando-o em cones. Por esta altura, a produção já deveria ter arrancado, mas as temperaturas amenas ainda não permitiram a formação do sal. Ficamos então com esta paisagem retalhada, sem vestígios de branco, mas com muitos encantos por descobrir.
A Noeirinha tem uma zona de lazer com uma piscina de água salgada
Lucilia Monteiro
A imagem das montanhas de sal serviu de inspiração à construção dos novos palheiros da Noeirinha, onde se mantém uma loja de comercialização de produtos locais (com marca própria, vende sal em diferentes formatos e salicórnia) e os serviços de apoio. “Isto era o Tarrafal, tive de começar do zero”, recorda José Luís Soares que já se dedicava aos passeios de moliceiro, com a empresa Onda Colossal, e viu aqui outra atração turística para explorar. Há mais de 20 anos que a Noeirinha estava ao abandono, tal como a maioria das marinhas ao redor – na década de 80 do séc. XX, existiam cerca de 275 na ria de Aveiro. Durante mais de um ano, o proprietário teve de remover toneladas de lama dos cerca de oito hectares e montar as novas estruturas. Agora, além da área de produção de sal, a marinha exibe uma zona de lazer com uma imensa piscina de água salgada, a rivalizar com o mar gelado da região, servida por mesas para piqueniques e guarda-sóis. No futuro, serão acrescentados um bar de apoio e uma zona de observação de aves.
Em Aveiro, a antiga Marinha Passagem adaptou-se à aquacultura de ostras, berbigão e amêijoas, fazendo-se visitas guiadas à produção, que podem ser complementadas com degustação
Lucilia Monteiro
Ostras ao natural e pão de criqueiros
O canto e o voo das andorinhas-do-mar e dos pernilongos foram das primeiras coisas a prender a atenção de Sandra e Sandro Sousa. O casal dedicava-se à produção de bivalves na ria de Aveiro há catorze anos e, quando comprou a Marinha Passagem, a intenção era focar-se neste negócio. No entanto, a paz da propriedade de oito hectares, acessível apenas de barco, a par da natureza fervilhante eram um prenúncio das suas potencialidades turísticas. Manteve-se a aquacultura das ostras, do berbigão e das amêijoas, mas agora fazem-se visitas guiadas à produção, com a explicação de todos os passos. “Queremos mostrar que Aveiro não é só dos ovos-moles e dos moliceiros, há outras coisas para ver”, diz Sandra Sousa. Confortável no papel de guia turística, recorda as origens da Passagem, cujo nome homenageia o antigo porto comercial quinhentista situado na ria. “Estas pedras vulcânicas que encontrámos na remoção de lamas serviam para fazer o lastro [peso colocado no porão] das caravelas”, conta Sandra. Durante a caminhada pelas motas (os percursos pedestres formados pelos muros de lama que delimitam os tanques), desdobra-se em pormenores sobre a criação de ostras, a mais famosa iguaria da empresa Ostraveiro, de uma qualidade apreciada por todo o mundo. Para isso, é preciso trabalhá-las, ou seja, movê-las regularmente, para que atinjam a forma perfeita. “Quando lhes damos umas palmadinhas, entra mais água, rica em plâncton e fitoplâncton, e alimentam-se melhor”, acrescenta.
Um pontão de madeira sobre a água serve de bar na ria de Aveiro
Lucilia Monteiro
O terreno trouxe surpresas. Como quando começaram a despontar de um dos tanques, deixado a secar durante uns meses, uma série de plantinhas carnudas e ramificadas, desconhecidas do casal Sousa. Salicornia ramosissima, descobriram mais tarde, é uma planta apreciada por chefes de cozinha de renome, utilizada como substituta do sal e riquíssima em proteínas. Com toda esta matéria-prima à mão, o antigo palheiro de sal da Marinha Passagem foi aproveitado para criar uma agradável zona de degustação, rodeada por uma esplanada, um pontão de madeira sobre a água (a servir de bar) e um parque infantil. “Não queremos ser um restaurante, apenas aproveitamos para fazer a divulgação dos nossos produtos”, sublinha Sandra. Do menu, constam ostras ao natural e gratinadas, o pão de criqueiros (ou berbigão), amêijoas à Bulhão Pato e salicórnia com ovos mexidos ou com cogumelos. Tanto as visitas guiadas como as degustações exigem reserva prévia. Quem quiser também pode levar para casa os produtos, embora as ostras exijam uma depuração de, pelo menos, 24 horas.

É na recuperada Marinha do Canto que se produz o sal e a flor de sal das Salinas do Samouco, abertas para visitas livres ou com guia
Marcos Borga
Do sal marinho do Samouco à sal-gema de Rio Maior
Se o primeiro contacto com o complexo das Salinas do Samouco, em Alcochete, deve ser feito numa visita guiada, para se compreender a sua história e importância, André Batista, educador ambiental e guia, não perde a oportunidade de fazer um convite. “Este sábado, 21, vamos ter aqui a 2.ª edição do FestiSAL, para quem nos quer conhecer é uma oportunidade a não perder. O programa integra quase tudo o que se pode fazer e ver nas nossas salinas”, explica. O festival tem a duração de um dia, e inclui atividades como a rapação do sal e o seu carrego num catraio, embarcação tradicional do Tejo (esta última parte é uma recriação histórica), observação de aves, passeios pelos trilhos (são dois, um com oito quilómetros e outro com quase cinco), apresentações e conversas, e ainda a inauguração da exposição Biodiversidade: Uma Ferramenta Pedagógica nas Salinas do Samouco, que continuará patente na Sala de Anilhagem, num dos edifícios da propriedade.
É certo que, num dia apenas, não se fica a conhecer todos os cantos dos 360 hectares destas antigas salinas, a maioria desativada mas conservada com o propósito de garantir a circulação de água salgada que entra pelos esteiros do rio Tejo, que serve de abrigo e alimento a aves como o pernilongo, a chilreta, o alfaiate, a garça-real, o fuselo e o flamingo. Por isso, pode-se sempre voltar e fazer uma visita sem guia, a pé ou de bicicleta, em jeito de passeio, para não assustar os que cá vivem, das aves às raposas e ao grupo de burros de raça mirandesa com que nos cruzamos no caminho. Convém levar binóculos, porque nem tudo se consegue ver a olho nu, e ainda o folheto que tem um mapa e várias informações para ir seguindo ao longo dos percursos. Este paraíso natural à beira do Tejo é resultado da construção da Ponte Vasco da Gama que se vê mesmo aqui ao lado e que atravessou as salinas. Para minimizar o impacto ambiental, o Estado criou aqui uma área protegida e fez renascer a arte salineira. A Fundação das Salinas do Samouco recuperou a Marinha do Canto, onde hoje se produz de forma artesanal, em 28 talhos de 60 metros quadrados cada, cerca de 120 toneladas de sal marinho tal-qual e duas toneladas e meia de flor de sal certificadas, cujas vendas ajudam a tornar sustentável este pedaço de natureza. “Temos conseguido atingir os nossos objetivos principais, que são a conservação da avifauna e o uso sustentável destes recursos naturais, e a recuperação da atividade salineira, mantendo a tradição e a identidade desta região que já foi um dos principais centros salineiros”, conclui o engenheiro José Rosário, gestor operacional da Fundação das Salinas do Samouco.
As Salinas de Rio Maior, na aldeia de Marinhas de Sal
Marcos Borga
Em Rio Maior, onde existem as únicas salinas de interior em Portugal, a tradição salineira também esteve em vias de se extinguir. Depois de vários anos ao abandono, foi graças a um grupo de três produtores – a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior, a Loja do Sal e o restaurante Salarium – que estas se mantêm ativas. O verão atípico tem prejudicado a safra, que vai de maio a setembro: “Por esta altura, já teríamos produzido cerca de 300 toneladas e ainda não tirámos nem 100”, explica José Casimiro, presidente do conselho de administração da cooperativa. A queixa é comum aos restantes produtores, mas não impede que todos os dias cheguem a esta aldeia, de nome Marinhas de Sal, muitos turistas nacionais e estrangeiros fisgados nos talhos (470 no total) repletos de sal e no conjunto de antigos armazéns construídos em madeira (por esta ser mais resistente) que ladeiam as salinas, agora transformados em cafés, restaurantes e lojas de artesanato. O cenário é único, encaixado num vale rodeado de campos de cultivo integrado no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, e a produção de sal é totalmente diferente do resto do País. Devido à existência de cursos de água subterrâneos e de há milhões de anos se ter formado uma jazida de rocha sal-gema (a apenas 300 metros de profundidade), a água vem salgada do interior, sendo retirada através de um poço localizado no centro das salinas.
O bacalhau não podia faltar no Salarium
Esta água, sete vezes mais salgada do que a do mar, tem cerca de 98 por cento de cloreto de sódio. A explicação é dada por Lurdes Henriques, uma das técnicas do Posto de Turismo que sabe a história destas salinas de cor e salteado. É com entusiasmo que debita em várias línguas a história deste cantinho do Ribatejo. “Estas salinas têm oito séculos e meio, foram vendidas em 1177 por Pedro de Aragão aos Templários de Tomar e, posteriormente, a cerca de cinco famílias aqui da terra que foram dividindo os talhões em pequenos talhos. Hoje são cerca de 100 proprietários.” É com a sua indicação que chegamos a uma das famílias mais antigas, formada pelo casal Fernando e Emília Lopes e pelos filhos João e Luís, quarta geração a tirar do sal o seu sustento. É deles a Loja do Sal, um cantinho onde este produto artesanal de alta qualidade ganha várias formas – incluindo o queijo de sal, porque é prensado com uma forma redonda – e utilizações: temperos, exfoliantes ou bombons. Mais à frente, na zona norte das salinas, abençoada com mais horas de sol, encontra-se um projeto mais recente que também mantém a tradição. A parte mais visível da história de José António Lopes é o restaurante Salarium, com vista para os seus talhos, de onde retira essencialmente flor de sal, com características únicas: grandes lâminas, muito finas, e secas quase a 100 por cento. À mesa serve-se gastronomia regional com os sabores sublimados pela utilização do que aqui se produz e de ervas aromáticas da região. “Quisemos voltar à terra e criar uma coisa diferente, sem perder a identidade e as tradições, associando vários parceiros locais ao desenvolvimento de novos produtos”, explica José Lopes, cujo maior projeto será a abertura do Salarium – Museu do Sal, na aldeia vizinha de Fonte da Bica.
Marinha da Noeirinha > R. do Dr. Bernardino Machado, Aveiro > T. 91 417 1014 > seg-dom 10h-19h > visitas guiadas €4, banhos salgados €2,50 a €5 (meio dia ou dia inteiro)
Marinha Passagem > Cais de embarque na Rua das Pirâmides, Aveiro > T. 91 345 3876 > visitas €8 (por marcação), degustação €18 (mínimo)
Salinas do Samouco > Palácio dos Pinheirinhos, Complexo das Salinas do Samouco, Alcochete > T. 21 234 8070 / 92 798 4440 > out-mar: seg-dom 8h-17h, abr-set: seg–sex 8h-17h, sáb-dom 10h-19h > €4, 6-17 anos €3, com guia €5 > binóculos €2, bicicletas €2
Salinas de Rio Maior > Marinhas de Sal, Rio Maior > T. 243 991 121 (Posto de Turismo) > visitas guiadas por marcação (seg-dom) > grátis

Salina Barquinha, em Castro Marim
E AINDA
Água Mãe, Castro Marim
A Salina Barquinha, no coração da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim, além de produzir sal marinho e flor de sal, é também o primeiro spa salino do País com banhos flutuantes, exfoliações com flor de sal, tratamentos com argila e massagens com água-mãe. Há visitas guiadas à salina para aprender o processo de produção do sal e ainda aulas de ioga e meditação. Salina Barquinha, EN 122, Castro Marim > T. 96 540 4888 > seg-dom 10h-19h > banho flutuante €6, aplicação de argila €6, visita à salina €10, ioga e meditação €7/por pessoa em grupo ou €35 por aula individual, massagem com água-mãe €50
Trilho das Salinas na ria Formosa, Tavira
Numa caminhada com a duração de duas horas, a empresa turística Formosamar dá a conhecer as salinas em redor do Arraial Ferreira Neto, em pleno Parque Natural da Ria Formosa. O percurso pedestre tem um grau de dificuldade baixo e é feito na companhia de um guia de natureza. Formosamar > Av. da República, Doca de Recreio de Faro, Stand 1, Faro > T. 91 872 0002 > seg-dom 14h > €130 (de 1 a 4 pessoas), suplemento €25 por pessoa (para grupos de 5 a 6 pessoas)
Ecomuseu Marinha da Troncalhada, Aveiro
A antiga marinha é agora um núcleo museológico ao ar livre, com painéis interpretativos a explicar os métodos de produção artesanal do sal e a falar da paisagem, fauna e flora. Também há visitas guiadas. Canal das Pirâmides, Aveiro > T. 234 406 485 > visitas guiadas (mínimo 6 pessoas) por marcação para museucidade@cm-aveiro.pt > €1,50
Cale do Oiro – Salinário, Aveiro
Nos antigos tanques de evaporação de sal da marinha Grã Caravela e Peijota, os visitantes podem ir a banhos. Há também uma sala de massagens, com o sal como principal ingrediente. Noutra área, mantiveram a produção do sal, explicada em visitas guiadas. Marinhas Grã Caravela e Peijota, Estrada da Ria, Pirâmides, Aveiro > T. 91 566 1480/ 96 692 4328 > seg-dom 10h-19h (até out) > banhos €4, banhos e visita guiada €8, massagens entre €15 e €48