1. Poesia Quase Toda
Zbigniew Herbert
Celebra-se este ano o centenário de nascimento de Zbigniew Herbert (1924-1998), que é, nas palavras de João Luís Barreto Guimarães, “uma das maiores, se não a maior voz poética europeia do século XX, à qual não fez falta o prémio maior para se tornar uma das maiores inspirações das gerações seguintes”. Nesta antologia, com uma seleção feita por J.M.Coetzee, reunindo parte significativa dos nove livros publicados em vida pelo autor polaco, e traduzida por Teresa Fernandes Swiatkiewicz, há vasta poesia que ilustra bem a linguagem direta, luminosa, realista, impressionante, de quem alinhavou isto no poema Gostaria de Descrever: “Trocaria todas as metáforas/ por um termo/ arrancado do peito como uma costela.” Cavalo de Ferro, 344 págs., €20,45
2. Claridade
João Luís Barreto Guimarães
Como num jogo de ecos, este volume contém uma epígrafe dedicada ao vizinho Zbigniew: “He wanted to be true/ to uncertain clarity” (“Ele desejava ser verdadeiro/ à incerta claridade” em tradução livre). É que “nem tudo precisa ser/ exatamente/ aquilo para que foi desenhado”, tudo é chiaro-oscuro. “Não percas tempo/ com poesia. Fala antes da vida autêntica (…) Fala antes com o silêncio”, avança um “manifesto” na página 34. Prémio Pessoa 2022, com quase uma vintena de livros publicados, João Luís Barreto Guimarães senta-se novamente à beira do mundo, “aberto todos os dias”, com a simples armadura da melancolia e das palavras quotidianas, mas com um lápis mais ferido de acutilância. Nestes 39 poemas cabem gaivotas e aroma a estevas, e uma “paisagem com Focaccia al fromaggio spaghetti alle vongole e tiramisu”, mas mais ainda a “beleza/ num salário justo”, uma experiência de Deus chamada Vladimir Vladimirovich Putin, a bomba “obediente” que “vai motivada”. O “escolher ir contra a corrente/ como salmão na boca/ de um urso”. Quetzal, 64 págs., €12,20
3. Remédios Contra o Amor
Ovídio
Do autor de Arte de Amar, uma nova edição bilingue, em latim e português, com tradução, introdução e notas de Carlos Ascenso André, que viu neste Remedia Amoris mais do que um “divertimento poético”, coisa de rodapé para a crítica: antes um “prodígio de ironia e uma afirmação do primado da mulher” nos embates amorosos, tema do volume. Ovídio, nascido no ano 43 a.C., faz-se conselheiro nestes 814 versos: “Comigo por guia, ó homens, reprimi nefastos cuidados.” E para evitar corações destruídos, vale tudo – até fugir. “Enquanto é possível, e só brandos impulsos te agitam o coração,/ se estás arrependido, sustém o passo logo à primeira porta (…)”. É que à luz desta releitura, as mulheres é que dominavam a política amorosa da velha Roma… Quetzal, 120 págs., €15,50
4. Adrenalina
Filipa Leal
“Aos 40 anos, tudo o que desejo são estes dias/ sem surpresa: chegar ao céu, sentar-me,/ efectuar o pagamento no acto da entrega”, lê-se no novo livro de Filipa Leal, insuflado com a melancolia combativa das datas redondas. Há vinte anos, a poeta publicou o primeiro dos seus 15 livros, Talvez os Lírios Compreendam, e o tempo permite, aqui, “encaixilhar” guardanapos-profecias, homenagear afetos sem meios versos, evitar os reflexos: “Os espelhos/ são coisas que mudam muito com o tempo”. E passar recados sobre, e a poetas. Como este para Paulo Leminski: “Aos 11 anos, também eu queria ter dedicado/ a minha vida toda à poesia./ Depois cresci e fui interrompida./ Crescer é ser interrompido.” Assírio & Alvim, 112 págs., €14,40