“Que mistério de brancura é esse?”, reza a epígrafe retirada a Moby Dick, de Melville. A perseguição da grande baleia branca, metáfora do espírito humano, encontra eco nesta singular peregrinação dedicada à porcelana, delicada matéria há mil anos feita, comprada e vendida, que apenas chegou à Europa há oito séculos. “Encontram-se aliás alguns fragmentos mais antigos, ‘cacos’ de vasos chineses que brilham provocantemente, encontrados ao pé de toscos canjirões de barro e que ninguém sabe explicar como chegaram a um cemitério de Kent ou a uma colina de Urbino. Há clarões de porcelana espalhados pela Europa medieval nos inventários de Jean, duque de Berry, e de dois ou três papas; no testamento de Piero de Médici figura una coppa di porcellana”, descreve, preciosamente, o autor.
Edmund de Waal, oleiro e ceramista há 25 anos, com obra patente em museus e galerias, é também um narrador virtuoso: molda relatos híbridos, elegantes, atmosféricos, com minúcias e requintes, assentes na experiência pessoal mas atravessados por erudição e espiritualidade. E lê-lo é uma viagem sem mapa, próxima do maravilhamento. Aqui, acompanhamo-lo por China, Veneza, Versalhes e Dresden, Inglaterra e Plymouth, Monte Ayoree, Etrúria e Cornualha, Londres, Dachau ou Nova Iorque. Às primeiras linhas, de Waal desorienta-se em Jingdezhen, na província chinesa de Jianxi, capital da porcelana. Cidade “como uma fornalha com muitos respiradouros de chamas”, onde os imperadores encomendavam outrora o “ouro branco” para os palácios – e de onde Mao Tsé-Tung recebeu, como prenda, dois serviços de chá de porcelana. Edmund não tem mapa, apenas fotocópias das cartas do jesuíta Pére d’Entrecolles, emissário que aí viveu há 300 anos. Terá outros guias neste percurso agridoce: Marco Polo, o matemático Tschirnhaus e o parceiro Bottger (que criarão a primeira chávena branca made in Europa…), o quaker William Cookworthy… Como de Waal, figuras dominadas pela arte, e pela posse, da porcelana.
A Rota da Porcelana (Sextante Editora, 392 págs., €17,70) é o segundo livro de de Waal, após A Lebre de Olhos de Âmbar, multipremiado relato biográfico em torno da coleção de netsuke (adorno japonês esculpido) herdada pelo autor