Já conhecida como a pior crise e doença do século XXI, a Covid-19 é ainda, apesar de todas as descobertas feitas até agora, um mistério. Com mais de 11 000 000 casos de contaminação e com mais de 500 000 mortes em todo o mundo, o vírus SARS-CoV-2 dominou a atualidade e os laboratórios de todo o mundo.
Seis meses depois de se ter tornado um problema mundial, os cientistas perceberam como o vírus é transmitido, como é que entra no corpo humano, quais os danos que causa e até um medicamento que ajuda no tratamento dos casos mais graves. Contudo, ainda existem várias questões que estão por esclarecer e que são fundamentais para entender o comportamento do vírus. A revista científica Nature resume esses pontos.
Porque é que as pessoas respondem à doença de formas diferentes?
Esta é uma das principais questões que o investigadores querem ver esclarecidas. Algumas pessoas, quando ficam contaminadas, não apresentam sintomas da doença, enquanto outras, mesmo sendo saudáveis, desenvolvem problemas graves ou até mortais.
No início do mês passado, uma equipa de investigadores de várias universidades do mundo publicou um estudo que demonstra que existem duas componentes genéticas que são mais propícias a levar a uma forma de Covid-19 mais grave. A equipa analisou os genes de quatro mil italianos e espanhóis e concluiu que uma das variáveis apresenta-se na região que determina o tipo de sangue e a outra variável está presente em vários genes, incluindo um que interage com o recetor que o vírus usa para entrar no corpo e outros dois genes ligados às moléculas que desenvolvem a imunidade.
Jean-Laurent Casanova, imunologista da Universidade Rockefeller, em Nova iorque, em conjunto com a sua equipa, está a investigar também outras mutações do corpo humano, através da análise aos genes de pessoas saudáveis, com menos de 50 anos, que precisaram de tratamentos intensivos quando infetados com Covid-19. O cientista acredita que a mesma anomalia no ADN que torna as pessoas suscetíveis a outras infeções – como a tuberculose -, também pode ser a responsável pelos casos mais graves do novo coronavírus.
Neste momento, os especialistas estão a reunir a maior quantidade de dados genéticos possível, através de biobancos espalhados por todo o mundo. Há pelos menos uma dúzia de instituições na Europa e nos Estados Unidos que já manifestaram o interesse em contribuir com informações genéticas de pacientes infetados pela Covid-19, como o Biobank do Reino Unido ou o Personal Genome Project, da Universidade de Harvard.
Qual é a natureza da imunidade e quanto tempo dura?
A maioria dos investigadores que está a tentar encontrar uma cura para a Covid-19 focou-se na produção de anticorpos neutralizantes que se ligam às células virais e previnem diretamente a infeção. Até agora conseguiu-se perceber que os níveis de anticorpos neutralizantes mantêm-se altos durante um período de tempo mas depois começam a diminuir.
No entanto, a permanência destes anticorpos é maior nos pacientes com casos mais graves. “Quanto mais vírus, mais anticorpos e mais eles durarão”, explica George Kassiotis, imunologista no Francis Crick Institute, em Londres. Kassiotis acrescenta que este padrão já foi analisado na SARS, quando os casos mais ligeiros perderam os seus anticorpos neutralizantes depois dos primeiros anos, mas os que tinham infeções graves ainda tinham anticorpos passados 12 anos, quando foram testados novamente.
Contudo, existem outras células que também podem ajudar no combate ao vírus. A células T são unidades importantes para alcançar a imunidade a longo prazo, e alguns estudos sugerem que estas também podem ser úteis no combate à SARS-CoV-2. “As pessoas estão a equiparar os anticorpos à imunidade, mas o sistema imunológico é uma máquina tão maravilhosa”, diz Andrés Finzi, virologista na Universidade de Montreal, no Canadá. “É muito mais complexo do que apenas anticorpos”.
Mais do que continuar a desenvolver pesquisas sobre estas células, é importante que os cientistas comparem os diferentes estudos da Covid-19 com outros estudos de doenças infecciosas, para que se possa estimar por quanto tempo se mantém a proteção.
O vírus desenvolveu alguma mutação preocupante?
Todos os vírus sofrem mutações quando infetam as pessoas. Os epidemiologistas moleculares utilizam estas mutações para rastrear a disseminação global do vírus, mas também podem ser usadas para verificar quais as mudanças do vírus em si.
No início do mês passado, o Instituto Ricardo Jorge (INSA) já tinha detetado 600 mutações do novo coronavírus. “Este número não tem nada de significativo, em termos de investigação é que o tem, [porque] permite-nos perceber até que ponto há algo variável e é isso que estamos a fazer”, sublinhou Fernando Almeida, presidente do INSA. Este explicou ainda que cada novo vírus pode sofrer, em média, entre uma a duas mutações por semana e todas as mutações que foram detetadas até agora pertencem ao mesmo grupo genético e partilham a mesma mutação específica da proteína ‘Spike’, aquela que permite que o vírus infete o ser humano.
A mutação parece ter surgido pela primeira vez em fevereiro na Europa. Uma série de estudos sugeriu que essa mutação torna o vírus SARS-CoV-2 mais infeccioso nas células modificadas em laboratórios, mas não está claro como essa propriedade se traduz em infecções em humanos.
Quão eficaz será uma vacina?
Estão cerca de 200 vacinas em desenvolvimento, 20 das quais em ensaios clínicos. Estes ensaios irão comparar as taxas de infeção de Covid-19 entre as pessoas que recebem uma vacina e aquelas que recebem um placebo.
Já existe uma equipa testou a vacina experimental ChAdOx1 nCoV-19 em macacos rhesus. Esta experiência resultou de forma positiva na prevenção de infeções pulmonares e de pneumonias, mas não no bloqueio de infeções n outras partes do corpo, como no nariz. Os macacos que receberam uma vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e foram expostos ao vírus, tinham menores níveis de material genético viral no nariz, em comparação com os níveis em animais não vacinados. Resultados como este aumentam a probabilidade do desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 que previne doenças graves, mas não a disseminação do vírus.
Contudo, acredita-se que, com todos os estudos a serem feitos em todo o mundo, a vacina possa estar acessível em breve.
Qual a origem do vírus?
A primeira teoria, e a que tem maior apoio dos cientistas, é que o vírus provavelmente surgiu em morcegos. Este grupo hospeda dois coronavírus intimamente relacionados ao SARS-CoV-2: um, chamado RATG13 que foi encontrado em morcegos Rhinolophus affinis na província de Yunnan, no sudoeste da China, em 2013, e é 96% idêntico ao vírus SARS-CoV-2; O outro é o RmYN02, um coronavírus encontrado em morcegos Rhinolophus malayanus, que é 93% semelhante ao novo coronavírus, segundo a Nature.
A diferença de 4% entre o RATG13 e o SARS-CoV-2 representa décadas de evolução e a possibilidade de ter havido vários portadores do vírus. Para rastrear a jornada do vírus até chegar aos humanos, os cientistas precisavam de encontrar um animal com um vírus 99% semelhante ao SARS-CoV-2.