O Homem tem vindo a domesticar dezenas de animais ao longo da história – desde cavalos a porcos, de cães a pássaros, por necessidade ou por simples ostentação. O processo de domesticação passa por mudar o comportamento de um animal selvagem, tornando-o dócil e obediente. Daí, o Homem seleciona os espécimes mais dóceis e faz com que se reproduzam.
Mas ao que parece, não é só o comportamento que se altera. Ao longo do tempo, começam a aparecer sinais visuais no animal relacionados com a domesticação, consistentes entre a maioria das espécies: focinhos mais pequenos, orelhas descaídas, manchas brancas no pelo e cérebros mais pequenos, por exemplo – a este conjunto de alterações chama-se “síndrome da domesticação”.
O que uma equipa de investigadores da University of Zurich, na Suiça, descobriu foi que, para que estas mudanças na aparência ocorram, não é preciso que o animal seja domesticado. A simples exposição frequente a seres humanos desencadeia o fenómeno.
Anna Lindholm, investigadora e coautora do estudo, e a sua equipa, observaram-no em ratos selvagens que viviam num celeiro em Zurique. O seu contacto frequente com humanos fez com que desenvolvessem duas das características típicas da domesticação. Num período de uma década, começaram a apresentar manchas brancas na pelagem castanha e focinhos mais curtos.
“Os ratos perderam o medo gradualmente e desenvolveram sinais de domesticação. Isto aconteceu sem qualquer seleção humana, apenas como resultado de estarem expostos a nós regularmente”, relata Lindholm.
Ao que tudo indica, existe um grupo de células nos embriões responsável por estas mudanças físicas e comportamentais – a crista neural. Este pequeno conjunto de células estaminais está na origem de coisas como as cartilagens das orelhas, a a dentina dos dentes, os melanócitos responsáveis pela pigmentação e as glândulas suprarrenais que produzem hormonas em resposta ao stress e adrenalina.
O processo de domesticação faz com que as glândulas suprarrenais encolham e sejam menos ativas, tornando os animais progressivamente mais dóceis. Ao mesmo tempo, as mudanças da cor do pelo e das feições são também mudanças causadas pela domesticação.
Madeleine Geiger, coautora do estudo, explica que os roedores têm vindo ao longo do tempo a habituar-se cada vez mais ao homem, atraídos pela sua comida, num processo de “auto-domesticação”.
“Esta auto-domesticação resultou na mudança gradual da sua aparência – acidental e inadvertidamente”, diz Geiger.
A síndrome de domesticação foi referenciada pela primeira vez numa experiencia de 1959 na Sibéria. O geneticista soviético Dmitry Belyaev domesticou raposas selvagens e observou as suas mudanças evolucionárias. De cada geração de raposas, Belyaev selecionava as mais dóceis, que dariam origem à próxima.
Com o passar do tempo, as raposas foram-se tornando cada vez mais amigáveis e a sua aparência também começou a mudar: manchas brancas no pelo, focinhos mais curtos, orelhas caídas e caudas encaracoladas.
O estudo encontra-se publicado no jornal Royal Society Open Science.