Eram quatro e meia da tarde e os termómetros marcavam 38 graus em Lisboa, a cidade para onde a nossa repórter teve de viajar para fazer esta entrevista. Inês vive no Porto, mas não se importou nada com os quilómetros. Afinal, ia conhecer Ana Markl, que a recebeu em sua casa, onde a temperatura era bem mais agradável e o ambiente muito acolhedor. Os nervos passaram logo à segunda pergunta, e rapidamente perceberam que têm muito em comum: gostam de pintar e de música. Até das mesmas bandas, como os The XX, que Inês traz na T-shirt.
Ana: Porque é que me queres entrevistar?
Inês: Porque já te ouvia na Antena 3, no programa Vamos Todos Morrer, e simpatizava contigo. Fiquei muito triste quando saíste.
Ana: Pois, mas tens de pensar assim: “Estou triste, mas a Ana está feliz porque não tem de acordar todos os dias às cinco e meia da manhã!”. [Risos.]
Inês: Como te divertias quando eras miúda?
Ana: Naquela altura, não havia telemóveis, como sabes. E desenhos animados só ao fim da tarde, durante a semana, e de manhã (muito cedo!), ao fim de semana. Ter um irmão mais velho [Nuno Markl] ajudou muito. Ele tinha montes de paciência para me aturar e brincávamos às rádios e aos jornais. E, quando era ainda mais pequenina, brincávamos com peluches, porque tínhamos muitos.
O que querias ser quando eras criança?
Queria muito ser estilista, que é uma palavra que já nem se usa e que quer dizer designer de moda. Fazia muitos desenhos, revistas de moda, vestidinhos para as bonecas. Mais tarde, quis ser cantora. Quando era adolescente, quase entrei para uma banda, mas a minha mãe não me deixava ir aos ensaios, porque eram à noite e tinha de apanhar o comboio.

Quais eram as tuas disciplinas favoritas na escola?
Acho que Português e Inglês, e, mais tarde, Teatro. Na escola, eu safava-me, mas não estudava muito. Aconselho-te a experimentar o teatro, principalmente na adolescência.
E como eras quando tinhas a minha idade? Eras bem-comportada?
Tenho todos os diários que escrevi dos 10 aos 17 anos. E um que escrevi quando tinha a tua idade. Mas vou dizer-te: esse diário só fala de rapazes! E de música também. E também escrevia uns desabafos sobre como as coisas na escola eram difíceis, porque me vestia de uma forma diferente e os rapazes mais velhos de quem eu gostava não me ligavam nenhuma.
Qual foi a maior asneira que fizeste?
Não fiz muitas, mas uma vez fui apanhada a escrever nas paredes da escola e fui chamada à direção. E estava a escrever o quê? Nomes de rapazes!
Quando falam de ti, gostas que te associem ao teu irmão [Nuno Markl]?
Gosto, porque gosto muito do meu irmão e tenho orgulho nele. No início, fazia-me confusão, porque as pessoas encontravam-me na rua, pediam para tirar fotografias comigo e nem sabiam o meu nome. Mas, agora, sinto-me bem com isso.
Do que gostas mais e menos em ti?
Do que gosto menos é, às vezes, não acreditar muito em mim. Queria ter mais autoconfiança. Aquilo de que mais gosto é saber levar a vida com alegria, não criar conflitos e dar-me bem com as pessoas.
Tu és jornalista, cronista, guionista, locutora de rádio. Queres ser mais alguma coisa?
Gostava de ter uma banda! E queria pintar e fazer olaria… Viver numa casa no campo e fazer só coisas que me fazem feliz.
Quando não estás a trabalhar, o que gostas de fazer?
Ler, ver filmes e séries. E sermãe do Manuel, que tem 4 anos.
No teu livro Avó, Onde Estavas no 25 de Abril?, o Manu faz uma revolução contra os brócolos. Porquê brócolos?
Eu gosto de brócolos, e até são dos poucos legumes que o meu filho come, mas os brócolos têm má fama. Primeiro, porque cheiram um bocado mal, além disso, não têm o melhor dos sabores, parecem relva cozida.

Lês os livros que escreves ao teu filho?
Leio, mas ele ainda não se interessa muito. Nunca lhe li nenhum dos meus livros à noite. Eu pergunto-lhe se quer que lhos leia, mas ele diz que não [risos]. Como ele me acompanha em algumas apresentações dos meus livros, se calhar já os acha uma grande seca.
Já tens em mente algum novo livro ou, como diria a tua personagem Sofia, tens “mais olhos do que barriga”?
Já tenho, sim. Se tudo correr bem, será um livro baseado nos meus diários. Tive de os reescrever um pouco, e não falar tanto de rapazes! É mais sobre desabafos acerca da vida e do que se passava comigo, entre os 14 e os 16 anos.
No teu livro Onde Moram os Teus Macaquinhos?, o Manu leva tudo à letra. Achas que, se toda a gente levasse tudo à letra, o mundo teria graça?
Seria muito perigoso. As expressões idiomáticas são engraçadas, mas, se levássemos tudo à letra, as pessoas podiam ofender-se.
Gostas de viajar? Qual foi o sítio que mais gostaste de conhecer?
O Japão, onde gostava de voltar. É muito divertido, há coisas, como restaurantes, onde podes ver lutas de robôs e karaokes fantásticos, com cabinas cheias de luzes e microfones que fazem efeitos e até parece que cantamos bem! E também tem o outro lado, mais calmo, mais ligado à Natureza e com muitos templos. Foi a viagem mais espetacular que fiz.
Eu gosto muito de música e sei que também gostas. Quais são as tuas bandas preferidas?
São muitas… Como vês, tenho um poster do David Bowie na minha parede, e também gosto muito dos Nirvana, dos Talking Heads e sou fã do Prince desde criança. Mas acho que a melhor banda de sempre foram os Beatles. Também gosto muito da Billie Eilish e da Olivia Rodrigo… É difícil responder-te, porque a música sempre foi muito importante para mim.
Gostas de ser famosa?
Calma, eu sou “minifamosa”. Mas, no meu caso, ser famosa é fixe porque as pessoas são muito simpáticas para mim.
Sabias que…

… Ana é a irmã mais nova de Nuno Markl. Ela tem 45 anos e ele 53. Os dois sempre foram muito unidos e continuam a ser. “Ele tinha muita paciência para mim. Eu adorava ir às suas festas de aniversário e estar com os amigos dele.”

… Ana tem num braço a tatuagem de um gelado com a expressão Semper Fun. “Foi uma coisa que eu e o meu marido inventámos e que mistura latim (semper, que quer dizer sempre) e inglês (fun, que significa diversão). Quer dizer que, no meio de uma vida cheia de trabalho e de preocupações, tem de haver momentos em que nos rimos e fazemos uma parvoíce qualquer, senão, é muito chato. É fácil tornarmo-nos um adulto chato.”

… O primeiro emprego de Ana foi no Blitz, um jornal de música que, em 2006, passou a revista mensal. Esta foi a última capa do jornal, e foi ela quem entrevistou os Pearl Jam (na capa).
Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º242 da VISÃO Júnior