Nesta altura do ano, em que as aulas recomeçam e a família tem de reestrurutar a sua rotina, muitas famílias recorrem às atividades extracurriculares para «colmatar» ou «aproveitar» os tempos livres das crianças. Contudo, nem sempre é fácil decidir quais as atividades mais adequadas ou que tempo deverão ocupar na agenda dos miúdos e da família. E, aí, começam as dúvidas.
Quem deve escolher a atividade?
«Há crianças e adolescentes que identificam facilmente os seus interesses, enquanto outros têm mais dificuldade e ficam indecisos. Contudo, eu diria que o mais aconselhável é deixá-los escolher o que mais gostam, não esquecendo que são crianças e que podemos dar-lhes algumas indicações», começa por dizer a psicóloga e psicoterapeuta Sofia Câmara. «Com tantas atividades que lhes são impostas, nomeadamente na escola, «será bom dar-lhes a liberdade de decidir o que querem fazer com os seus tempos livres.»
A tomada de decisão caberá aos adultos, mas deverá resultar de uma discussão com as crianças e os jovens, defende por sua vez Diana Alves, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto. «Apesar de não serem obrigatórias, estas atividades implicam um compromisso quer da parte da família (se os pais podem ou não pagar, se conseguem conciliar horários, garantir deslocações, etc.) quer da criança, que se propõe a iniciar um projeto.» Portanto, o melhor é escolherem atividades que correspondam aos interesses de todos.
Atividades lúdicas ou de conteúdo académico?
«Sinto que há muitos pais que inscrevem os filhos em atividades que são quase um prolongamento daquilo que já fazem na escola. Há um espírito de competitividade, o sentimento de que os filhos têm de ser bons em tudo. Isso faz com que se perca esse lado lúdico que, acredito, estas atividades deveriam ter.», afirma Sofia Câmara. É esse aspeto lúdico, acrescenta, que ajuda as crianças a descobrir e desenvolver outras competências, mais criativas e artísticas, também muito importantes. «São, aliás, tão importantes que nem deveriam ser extracurriculares, mas sim fazer parte do currículo, como a dança, as artes plásticas ou o teatro. Todas elas ajudam ao desenvolvimento socio-afetivo e à criatividade.»
Diana Alves admite que há uma enorme oferta de atividades com um conteúdo mais académico – como a robótica, os clubes de ciência e as línguas estrangeiras -, mas não entende que inscrevê-los nestas atividades represente, por si só, uma sobrecarga para os mais novos. Principalmente se tais atividades corresponderem aos interesses que demonstram, ou seja, «tudo depende do que lhes é prazeroso.»
Concorda, contudo, com a importância de outras atividades, quer desportivas ou artísticas. «O teatro e a dança podem ajudá-los a exprimir emoções, a porem-se no lugar do outro e até promover um autoconhecimento emocional. Participar numa atividade desportiva, por outro lado, implica resistir à frustração e à regulação emocional, ou porque um jogo não correu bem ou porque não fez o passe que devia. Todas elas, artísticas, desportivas ou académicas, trazem ganhos.»
A importância do compromisso
«Só o facto de os jovens se comprometerem com um projeto que não é obrigatório, de terem de se adaptar a novos grupos de pessoas e a respeitar um horário, dá-lhes a possibilidade de desenvolverem competências de caráter socio-emocional», defende a docente. Diana Alves entende que o compromisso a que uma criança se propõe quando inicia uma atividade é crucial e que deve haver uma gestão das expectativas por parte de todos.
«É possível que, nas primeiras vezes, a criança ou jovem não veja cumpridas as suas expectativas. Ou porque não é escolhida para integrar a equipa principal, ou porque não consegue construir logo o robô que imaginou ou porque não vai participar num espetáculo. Se, aos primeiros sinais de dificuldade, os pais não alimentarem o tal compromisso e permitirem que desistam, todos os ganhos que referimos atrás não serão alcançados.»
Que peso devem ter estas atividades na agenda semanal?
Não há uma resposta certa para esta questão, mas o facto é que as crianças quase não têm tempo para o tédio», lamenta Sofia Câmara. «Sinto que há a tentação por parte de alguns pais de ocupar todo o tempo que os filhos têm disponível. E dá um exemplo: «até nas festas de aniversário se nota isso. É rara aquela em que as crianças vão apenas brincar livremente para um jardim; pelo contrário, são os insufláveis, a hora de cantar os parabéns, etc. É tudo muito organizado e nada espontâneo.» Este excesso de organização, alerta, retira espaço à criatividade.
Neste ponto, as duas especialistas não podiam estar mais de acordo. O tempo livre, em que não existem obrigações, horários nem avaliações, são vitais para o desenvolvimento das crianças e, na verdade, de todos nós. «É nesse período de tempo que estamos genuinamente connosco, que percebemos aquilo que realmente nos dá prazer fazer. E é também aí que desenvolvemos a nossa criatividade. Além de que sentimos que não temos de corresponder ao que os outros esperam de nós», refere Diana Alves.
No caso dos mais novos, ter tempo livre ajuda ainda a aprender a gerir o tempo, algo que, notoriamente, não é fácil para os miúdos, «pois têm uma agenda tão ocupada, com dias altamente estruturados, em que há sempre alguém que lhe diz o que têm de fazer. Depois, é natural que, quando estão sozinhos, não saibam bem como passar o tempo.» Mas se o seu medo é que, nessse tempo livre fiquem pregados ao telemóvel, não desespere. «O telemóvel faz parte desta geração. Mas até isso é necessário», alerta Diana Alves. «Claro que não é desejável que fiquem todos os fins de tarde em frente ao telemóvel, mas não fará mal que aconteça um ou dois dias por semana. Eles também precisam desse tempo.»
Como sabemos se estamos a sobrecarregar as crianças?
«Há crianças que têm várias atividades, quase todos os dias, e gostam disso. E também já conheci outras que dizem que estão fartas e que querem ter tempo livre. Temos de saber ouvi-las, porque elas dizem-nos», aconselha Sofia Câmara, habituada a ouvir queixas das crianças e dos jovens com quem trabalha. Há, no entanto, sinais reveladores de que estão cansadas (ver em baixo).
Por vezes, temos tendência a desvalorizar a exigência das atividades extracurriculares, alerta Diana Alves. «Apesar de serem divertidas, também são cansativas. E há miúdos que têm dias tão ou mais cheio que os dos adultos. A partir do 2.º e do 3.º ciclos, principalmente, há períodos que exigem mais deles na escola, na época dos testes, por exemplo. Aí, pode ser necessário reajustar a agenda para não os sobrecarregar. Não quer dizer que tenham de desistir, mas podem ter de abrandar.»
Sinais de que uma criança/jovem poderá estar em stresse ou sobrecarregada:
- agitação
- falta de concentração nas aulas
- irritabilidade
- regulaçãp dos estados de humor
- comportamentos desadequados («respostas tortas», desobediência, etc.)
- alterações no apetite
«Caso observem comportamentos que não são habituais, os pais devem tentar perceber o que poderá estar por trás dessas alterações comportamentais. Os professores têm também aqui um papel crucial, pois estão com eles todos os dias, apercebendo-se por vezes dessas alterações antes mesmo dos pais», aconselha Sofia Câmara.
Fim de semana em família
Para descontraírem da semana preenchida, e aqui falamos de pais e filhos, o melhor é passarem tempo juntos. Promovam atividades em conjunto que agradem a todos. «As crianças, principalmente as mais novas, gostam de brincar com os pais, de passar tempo com eles. Afinal, durante a semana veem-nos tão pouco», lamenta Sofia Câmara.
O tempo de qualidade, no entanto, não tem tanto a ver com o que fazem com eles mas com a atenção que lhes dão, sublinha. «É importante estar mesmo lá, desligarem-se do exterior – e isso nem sempre é fácil para nós, adultos. Mas podem fazê-lo aproveitando o bom tempo para passear ou apenas ficar em casa e fazer o almoço juntos, por exemplo, jogar um jogo de tabuleiro ou ver um filme. Descontraidamente.» (Se precisar de ideias para descontrair em família, leia este artigo.)
NOTA: Na VISÃO Júnior de setembro, os mais novos encontram o mirabolante teste-jogo ‘Atividades Fantásticas para Gente Extraordinária’. Que tal fazer o jogo com os miúdos aí de casa? Quem sabe não abre a discussão em família?
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