O ponto de encontro é no Colombo, junto à entrada do metro. Por volta das 7h20, minutos antes da hora marcada, Ricardo Araújo Pereira liga do carro a avisar que se enganara na saída e que tinha ido dar a volta a Carnide. Mas não demora muito mais. Contra todos os avisos (“Ele atrasa-se muito”, alertara-nos um colega da Rádio Comercial), chega bem a tempo. Ricardo dá as chaves a um funcionário da estação, que lhe vai levar o carro até ao metro de São Sebastião. “Vocês conhecem aquele senhor, certo? É mesmo da rádio?”, brinca, fingidamente hesitante.
Descemos. Enquanto esperamos as carruagens, perguntamos-lhe se ir de metro não é quebrar o princípio que ele tantas vezes apregoa, para justificar a sua não adesão a manifestações: sempre com o povo, nunca no meio dele. “Eh pá, isso só acontece quando há ajuntamentos mesmo muito grandes. Quando é a populaça. Isto é mesmo o povo. Uma coisa que me agrada nisto da Mixórdia é a massa de gente que ouve a Rádio Comercial e que depois ao longo do dia ou nos dias seguintes se mete comigo na rua. É uma massa de povo que vai para o trabalho, que põe as crianças na escola… É de facto aquela gente que… Quer dizer, não são jornalistas. Os jornalistas só acordam ao meio-dia. Não, não – isto é mesmo aquela gente que trabalha a sério.”
É raro Ricardo Araújo Pereira andar de metro. Mas desta vez decidiu que o seu regresso à Mixórdia de Temáticas (a série Gomes, que volta a passar a partir de agora de segunda a sexta na Rádio Comercial, às 8h15) seria precedida de uma descida, não à terra, mas abaixo da terra, para lidar diretamente com o seu potencial público.
Pode julgar-se que Ricardo é uma picareta falante, que tem sempre uma piada na ponta da língua, que é extrovertido. Mas não é, não tem e não é. Não que seja tímido. Sente-se relativamente confortável na sua pele de celebridade – tanto quanto se pode estar confortável com o facto de nunca poder estar sozinho consigo mesmo em público, como acontece com a maioria de nós.
Não abraça nem acarinha a fama, mas abraça e acarinha os fãs. Na viagem entre o Colégio Militar e São Sebastião, ao ver uma senhora a fotografá-lo com o telemóvel, meio envergonhada, vai ter com ela. “Tiramos [uma foto] os dois?”
É uma das poucas interações com os passageiros do metro. Amedrontado pela “alcateia de fotógrafos”, como apelidou Ricardo os dois repórteres de imagem da VISÃO mais duas da Rádio Comercial, o público mantém-se a uma distância segura.
Saímos do metro em direção ao carro de Ricardo. No curto caminho para a rádio, o humorista, agora ao volante, fala dos seus velhos companheiros do Gato Fedorento. Zé Diogo, Miguel e Tiago estão bem, mas longe dos holofotes.
Chegamos à Comercial. Antes de sair do carro, Ricardo volta a pegar no livro de poesia e no bloco de apontamentos que já transportara na mão durante o percurso do metro. “É para os tempos mortos. Há sempre tempos mortos.”
No estúdio, à espera de Ricardo, está já a equipa da manhã. Pedro Ribeiro, Luísa Barbosa, Vasco Palmeirim, Nuno Markl e César Mourão, no entanto, não estão sozinhos. Rodeia-os um batalhão de câmaras e jornalistas, de vários órgãos de comunicação. O regresso da Mixórdia de Temáticas, depois de quase dois anos de intervalo, é um acontecimento.
O primeiro episódio não desilude. “Dias que até nem começam particularmente bem, mas que depois até acabaram por sim senhor” é Ricardo Araújo Pereira no seu melhor – cheio de humor surreal e, no fim, a única lição de moral é que é melhor concentrarmo-nos num vício do que nos dispersarmos por dois. Quando muito, é uma lição de imoral. Mas quem sou eu para dar lições, para passar mensagens?, diz Ricardo. “Quem quiser, que faça o que lhe apetece.”