Era uma vez um país onde as pessoas não tinham liberdade e onde reinava a proibição. A resposta para quase tudo o que o povo queria era, invariavelmente, um “não”. Os habitantes não podiam escolher qual o partido que queriam que os governasse porque não havia eleições livres; não podiam criticar o sistema em que viviam porque corriam o risco de ir parar à prisão.
“Escolher” era um verbo que não estava ao dispor da população. Se fossem do sexo masculino, os jovens eram obrigados a ir para a tropa e a partir para a guerra num continente distante, onde muitos acabavam por morrer ou ficar feridos.
Nas escolas, os rapazes e as raparigas estudavam em turmas separadas e a diferença de géneros era notória. Às mulheres estava reservado um papel secundário na sociedade. Se quisessem sair do País, por exemplo, tinham de ter uma autorização escrita do marido. Para votar, ao contrário dos homens, não lhes bastava ter 18 anos -tinham de ter o ensino secundário completo (algo raro, porque na altura só era obrigatório estudar até ao quarto ano).
Se já existisse, a internet seria proibida. Tudo o que as pessoas liam, viam ou ouviam era controlado pela censura. A população só tinha acesso aos conteúdos que o Governo queria, para impedir que surgissem ideias de mudança. Reforma, pensões por doença ou invalidez, subsídios de férias e Natal – conceitos que são hoje comuns no nosso dia a dia -faziam parte de um sonho bom. Tal como um rendimento mínimo para as pessoas que não tivessem trabalho ou um sistema de saúde acessível a todos os cidadãos.
As histórias que começam por “Era uma vez” costumam ser inventadas. Esta, porém, foi real e, se perguntares aos teus pais e avós, eles vão saber falar-te nela. Portugal foi realmente um “país de nãos” durante os 48 anos que durou a Ditadura, conhecida por Estado Novo (ou Salazarismo, por causa do nome do seu fundador e líder, António de Oliveira Salazar).
Aos poucos, as pessoas começaram a ficar descontentes com o regime político. Queriam viver em Democracia (uma palavra grega, que significa “governo do povo”).
Acima de tudo, queriam ter liberdade – para poder escolher os governantes, para acabarem com a guerra, para poderem expressar abertamente as suas ideias e terem acesso a uma informação sem filtros.
A vontade era geral, mas quem tomou as rédeas da mudança foram os militares, que se uniram no célebre Movimento das Forças Armadas (MFA) e desenharam um plano às escondidas. Era fundamental manter a estratégia longe da polícia política, a PIDE, que tinha agentes não identificados por todo o lado…
Na madrugada de 25 de Abril de 1974, os militares saíram dos quartéis e levaram a cabo um golpe de Estado, para deitar abaixo o Governo. A rádio teve um papel preponderante. Duas emissoras – primeiro os Emissores Associados de Lisboa, depois a Rádio Renascença – colaboraram com os militares, acordando transmitir a senha que daria aos vários quartéis a indicação de que a Revolução estava em curso. As senhas eram duas músicas: E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho e Grândola Vila Morena, de José Afonso.
Poucas horas depois, outra emissora seria ocupada pelo Movimento das Forças Armadas – o Rádio Clube Português. Na antena, comunicaram o que estava a acontecer e pediram aos habitantes de Lisboa que se mantivessem em casa, receando que a Revolução provocasse incidentes.
O pedido de nada adiantou. Felizes com a possibilidade de terem a Democracia de volta, os lisboetas saíram às ruas para se unirem aos militares. Além de os apoiarem com a sua presença, deram-lhes comida, bebidas e tabaco.
Os homens que fizeram a Revolução ficaram, para a História, como os Capitães de Abril. Muitos, como Otelo Saraiva de Carvalho ou Vasco Lourenço, conheces certamente de ver na televisão. Um nome bem conhecido entre esses Capitães é o de Salgueiro Maia, já falecido.
Foi ele quem comandou os militares e os tanques que saíram de Santarém em direção a Lisboa e, aí, esteve nos momentos principais. Um aconteceu no Terreiro do Paço, quando as forças fiéis ao regime se puseram do seu lado, não disparando. O outro teve lugar quando cercaram o Quartel da GNR, no Largo do Carmo, onde estava refugiado Marcelo Caetano, o Presidente do Conselho do Estado Novo (que sucedeu a Salazar).
Para muita gente, o 25 de Abril de 1974 foi o dia mais importante das suas vidas. O dia em que reconquistaram a liberdade. A poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen eternizou-o num dos seus poemas. Foi, disse numa metáfora, a madrugada “onde emergimos da noite e do silêncio “. Outro poeta, José Carlos Ary dos Santos, resumiu toda a história no poema As Portas que Abril Abriu, onde começa, precisamente, por “Era uma vez um país”…
E os cravos?
O 25 de Abril de 1974 é um momento -chave na História de Portugal e, até, do mundo. Muitos países, como a Espanha, o Brasil ou o Chile, que também viviam em ditadura, sonharam com a Revolução portuguesa. Não só porque foi capaz de restituir a liberdade aos cidadãos, mas, também, por não se ter derramado uma gota de sangue. É comum, nos golpes de Estado, haver mortos e feridos.
No 25 de Abril, o vermelho que ficou para a História não foi de sangue. Foi o vermelho dos cravos.
‘Grândola’ a muitas vozes
O tema de José Afonso nunca caiu no esquecimento, desde que se tornou, tal como os cr avos, num símbolo do 25 de Abril. Agora, porém, tem-se ouvido com mais frequência do que é habitual. Já ouviste dizer que “a cantiga é uma arma”? Pois bem, as pessoas que têm cantado o tema quer nas manifestações quer em aparições públicas de alguns governantes, estão a usar a música como forma de protesto contra o atual Governo. Ao cantarem a Grândola, recordam aos governantes os valores que foram conquistados.
40 anos do 25 de Abril de 1974
Se queres saber mais sobre o 25 de Abril, encontras mais informação e fotografias na revista VISÃO desta semana (quinta-feira, dia 24 de Abril, nas bancas), a redação da irmã mais velha da VISÃO Júnior vasculhou tudo o que se passou em Portugal, e no estrangeiro, na primeira semana que o País viveu em liberdade, até ao primeiro 1.° de Maio, depois de 48 anos de regime fascista. O grafismo da revista foi adaptado à época.
Na VISÃO Júnior deste mês, um capitão de Abril, um jornalista e uma presa política são entrevistados pelos netos sobre a revolução que faz agora 40 anos. Encontras a VISÃO Júnior de Abril nas bancas.