Quando entrou pela primeira vez na sala de aulas, os alunos olharam-no com ar desconfiado. O que fazia ali um homem vestido de homem do lixo? De repente, começou a dizer um texto cheio de emoção na voz e deixou os estudantes boquiabertos. Pedro Silva, 31 anos, mais conhecido como SOS Sentinela, escreve poemas e costuma apresentá-los em espetáculos. Desta vez, a sua missão era diferente. Em vez de trabalhar em textos da sua autoria, Sentinela ia ajudar estudantes do 8º e 9º ano a escreverem os seus próprios poemas para participarem num concurso.
Vestir-se de homem do lixo foi uma forma de captar a atenção dos estudantes e de mostrar que a poesia pode estar em todo o lado e em qualquer pessoa. “Procurei encontrar uma maneira diferente de lançar a semente da poesia”, explica o declamador (pessoa que diz poemas).
Durante quatro meses fez várias visitas à EB 2, 3 Miguel Torga (Amadora) e à EB 2, 3 de Paranhos (Porto) e trabalhou de perto com os alunos. Por isso mesmo, não é de estranhar que lhe caiba a honra de revelar o nome do autor do melhor poema no dia da grande final.
TODOS VENCEDORES
Assim que é anunciada a vencedora explode um aplauso na sala. Surpreendida, Mariana Lemos regressa ao palco com um sorriso de orelha a orelha. A aluna do 9º A da EB 2, 3 de Paranhos, Porto, conquistou o 1º lugar no concurso Palavra, Dita e Feita.
A final realizou-se no Museu da Eletricidade, Lisboa, e contou com a participação de alunos da escola de Paranhos e da EB 2, 3 Miguel Torga, na Amadora. A iniciativa, organizada pela Fundação EDP e pela produtora Produções Fictícias, incentivou os estudantes do 8º e 9º ano a escreverem os seus próprios poemas. Depois, os professores selecionaram os 16 melhores textos de cada escola para competirem na grande final.
“Ainda estou a tremer por causa dos nervos”, confessa Mariana, mas o público não deu conta de nada enquanto a ouvia declamar o seu poema com emoção e expressividade. A estratégia foi eficaz: “para controlar os nervos imaginei que ninguém me estava a ver”.
Além de um representante do Plano Nacional de Leitura, da Câmara Municipal de Lisboa e da Fundação EDP, também fez parte do júri o rapper português Chullage, autor de letras de canções, que também são poemas.
Os critérios de avaliação do júri eram dois: a qualidade do texto e a expressividade da declamação (a forma como se diz o poema).
Apesar de ser um concurso, o lema do projeto é que “a pontuação pouco conta, quando a história condiz com quem a conta”, relembra Pedro Silva.
A POESIA NÃO É UMA SECA
Também foram selecionados para a final vários alunos surdos que estudam na EB 2,3 de Paranhos. Como o júri e muitas pessoas do público não sabem Língua Gestual, uma intérprete traduziu os poemas oralmente. Luís Pereira, 16 anos, é um dos alunos surdos que foi ao Museu da Eletricidade mostrar o seu poema. Com a ajuda da intérprete, a VISÃO Júnior entrevistou-o. Luís gostou muito de participar e contou-nos que até já tinha escrito poemas, mas nunca os tinha mostrado em público.
João Sousa, 13 anos, é aluno da EB 2,3 Miguel Torga, uma escola com o nome de um dos maiores poetas portugueses, e, tal como os colegas, inspirou-se nele próprio e na sua história para compor o seu poema. “Gostei muito de escrever sobre mim e de expressar os meus sentimentos. Sinto que fiquei a conhecer-me melhor”, exclama com entusiasmo. As surpresas não ficaram por aqui: “A poesia é muito mais do que eu imaginava. Adoro os poetas”.
A sua colega de escola Wilma Alves, 15 anos, conquistou o 2º lugar para a Miguel Torga, mas não estava à espera que o seu texto fosse selecionado. “Nunca tinha lido poesia, nem sabia bem o que era. Agora já sei que a poesia é expressarmos os nossos sentimentos por palavras”. Se ao princípio não sabia bem o que ia encontrar, no fim ficou rendida aos poetas.
Wilma deixa um conselho a quem nunca se aproximou da poesia: “Primeiro devem experimentar escrever para perceberem como é bom expressarmos o que sentimos”. Sem querer, até faz uma rima, digna de um poema: “Aprendi que declamar poesia não é tão seca como parecia”.

Álvaro Isidoro