Era uma vez quatro jovens. O mais velho chamava-se Nuno, a segunda mais velha chamava-se Morgana, depois, vinha uma rapariga chamada Marta e ainda, o mais novo, chamado Lourenço. Eram quatro jovens que viviam em Portugal, mais propriamente Sintra, e eram amigos inseparáveis. Tinham muitas aventuras juntos, até costumavam inventá-las, na escola, durante os intervalos e nas horas de almoço que tinham em comum.
Para eles, tudo era perfeito! Era muito simples: inventavam mundos paralelos e fingiam estar nesses sítios. De seguida, um deles escrevia essas aventuras, para mais tarde as juntarem, criando uma só. Nada lhes corria mal, até que algo terrível aconteceu:
A escrita foi proibida!
Quando a Marta descobriu esta terrível notícia, foi logo telefonar ao Nuno:
– Nuno, Nuno, algo terrível aconteceu!!!
– Acalma-te rapariga! Não deve ter sido nada assim tão mau! – Respondeu o rapaz para a tentar acalmar.
– É sim! É horrivelmente aterrorizante! A escrita foi proibida! – Devolveu a rapariga a tremer.
– O quê?! Estás a brincar comigo ou quê? A escrita não pode ter sido proibida! Sem a escrita ninguém aprende, ninguém faz livros de fantasia, nem sequer conseguimos distinguir os produtos no supermercado. Tu estás mas é a gozar comigo!… – Disse convencido o rapaz
– Não, Nuno! É verdade! Liga a televisão na RTP1 e depois vem cá dizer, outra vez, que estou a gozar contigo! – Berrou de novo a rapariga.
– Espera só um bocado que eu vou ver.
O rapaz não acreditava que tal coisa pudesse acontecer, mas por descargo de consciência foi verificar. Ligou a televisão, sentou-se no sofá, e a Marta continuava a berrar qualquer coisa, pelo telefone.
O jornalista dizia:
-…E o inédito aconteceu: todos os reis e presidentes da república do mundo assinaram um tratado, o último da História! Agora, a escrita é proibida! Por isso, caros telespectadores, a televisão irá acabar! Esta é agora a nossa última edição! Adeus e boa sorte…….. sem a escrita!
E de repente o ecrã ficou às cores… A própria televisão tinha acabado! O rapaz, em estado de choque, levantou-se, pegou no telefone e disse baixinho:
– Mas… mas… mas… mas e agora? O que vai ser feito de nós?
– Não sei! Isto é horrível! Vou telefonar ao Lourenço e à Morgana! Trata de vir também, que precisamos de falar, e a sério!
A rapariga desligou o telefone e, do outro lado, o rapaz, pela primeira vez desde ter ouvido a notícia, fechou a boca e engoliu em seco. Saiu de casa, pegou na bicicleta e pedalou como nunca antes tinha pedalado.
Entretanto, a conversa com o Lourenço e com a Morgana lá se desenvolveu, e em dez minutos estavam todos sentados em casa da Marta a olhar para o vazio, a imaginar as suas vidas dai em diante. Era difícil imaginar, visto que era algo em que nunca ninguém tinha sequer pensado. Até que, Morgana ganhou coragem e disse:
-Não podemos ficar aqui parados sem fazer nada! Vocês têm de reagir! Ou melhor, nós temos de reagir! Lá porque uma data de pessoas mandaram que nós não escrevêssemos, vamos dar-lhes o que fazer! Nós não somos como eles! Por isso: na minha opinião, isto é apenas mais uma crise mundial! Desta vez não é económica, mas sim… – e parou durante uns momentos para inventar uma palavra – “linguística” ou “existencial”… sei lá… desenvolvam! “Hello”, acordem!!!
Mas todo este discurso foi em vão. Todos eles continuavam a olhar para o vazio e, num acto de desespero, Morgana sentou-se e soltou um “Oh Pá…”, muito baixo.
Passados vinte minutos, Lourenço impôs-se perante os outros:
-Eu concordo com a Morgana… – e foi interrompido.
– Bem, deves ter raça de alentejano ou coisa que o valha! – Disse Morgana na esperança de animar os outros.
– Como eu estava a dizer, antes de ser interrompido inconvenientemente, nós não podemos ficar aqui parados à espera que caia do céu a solução para todo este problema!
Mas os outros continuavam imóveis. Lourenço pegou no calhamaço do dicionário que estava em cima da mesa e com toda a sua força, que não era muita, atirou-o ao chão de madeira da sala. O estrondo, foi de tal maneira que os três gritaram em uníssono:
– Hei! Então, pá! Estás parvo ou fazes-te?
– Faço-me! Mas se repararem, vocês, agora, já me prestam atenção! – Disse o Lourenço com cara de diabinho, até se lhe viam os chifres, quando fazia coisas como aquela – Agora que me prestam atenção, eu só tenho uma coisa a dizer: levantem esses rabos preguiçosos e façam alguma coisa!
– Primeiro temos de descobrir quem teve esta maldita ideia. E depois, temos de atacar no centro do problema! – Disse Nuno ignorando Lourenço.
– Hum… tens toda a razão. Mas como é que vamos fazer isso se a televisão acabou, os jornais também e até a rádio?! – Interviu a Marta.
– Isso eu não sei, mas vamos falar com os nossos pais e depois falamos uns com os outros sobre aquilo que descobrirmos. – Salientou Morgana.
– Vamos então! – Acrescentou Lourenço, agora um bocadinho mais calmo.
E todos pegaram nas bicicletas e pedalaram em direcção ao local de trabalho dos pais de cada um.
Passada uma hora, Morgana telefonou aos outros e pôs todos em conferência, através do telemóvel.
– Afinal não é em todo o mundo, o que facilita as coisas. É só um daqueles exageros enormes dos “media” e é só em Portugal! – Disse admiradíssimo o Nuno.
– Não te sintas mal Nuno, eu descobri o mesmo! E mais, foi só a nossa Assembleia da República! – Acrescentou a Marta.
– Pois é! E o interessante é que não há nenhum papel que comprove que a escrita foi proibida! – Disse Morgana – E tu Lourenço, o que é que descobriste?
– Que o Primeiro-ministro está cá em Sintra! Veio cá de férias, mas vai discursar no Palácio da Pena!
– Boa! Agora só temos de arranjar um plano! Eu já tive uma ideia! Venham ter comigo ao nosso esconderijo, daqui a dez minutos. – Disse o Nuno.
O esconderijo deles era uma espécie de gruta que dava acesso a uma sala que eles próprios tinham pintado e arranjado. Tinha um computador, um frigorífico e alguns sofás.
Foram chegando, e o Nuno começou:
– Se não há escrita, não há leis, não há papéis que comprovem que aquele homem é o Primeiro-ministro. Não há nada que diga que isto, aquilo ou “aqueloutro” é proibido, porque se houvesse, era proibido! Nós, neste momento estamos a viver numa anarquia! Ninguém comanda ninguém! Por isso, é só fazermos as pessoas pensarem como nós, para vencermos esta guerra! Vamos fazer do dia em que ele discursar um feriado, uma greve, uma porcaria qualquer, para mais tarde, quando tudo isto estiver resolvido, todas as pessoas se lembrarem de nós!
– Pois é! Nós temos de vencer esta guerra, temos de fazer a diferença! Temos de conseguir! Vamos considerar o dia de hoje o primeiro dia do resto das nossas vidas! Vamos a isso! – Encorajou a Marta.
– Amanhã, quando ele discursar, nós vamos fazer espectáculo! – Disse Lourenço.
– É isso mesmo! E eu tive uma ideia espectacular que vocês amanhã vão ver! – Acrescentou Morgana.
Passaram o resto da tarde e parte da noite a fazer planos para o dia seguinte. Empataram os pais dizendo que estavam na biblioteca a fazer trabalhos da escola.
A noite passou, em casa, cada um deles esforçava-se por dormir. Tiverem de acordar bem cedo, embora fosse fim-de-semana. Morgana, enquanto comia e se vestia, ao mesmo tempo, fazia fotocópias de todas as aventuras, dos quatro. Eram folhas, atrás de folhas! Parecia nunca mais acabar! Sem darem por isso, todos eles estavam sentados a ouvir aquele “paspalho”, como lhe chamavam, a falar das consequências da escrita, até que Nuno se preparou, e pegando no megafone que tinham conseguido trazer, disse baixo para os outros:
– É agora! Vamos fazer a diferença! Estão prontos?
– Claro! – Disseram.
E num acto de coragem, levantaram-se os quatro e Nuno começou:
– Acabou! Acabou esta loucura!
– Não há papel que comprove que o senhor é quem diz que é. E estes guardas que nos rodeiam não têm papel que diga que estamos aqui a fazer uma coisa má! – Acrescentou Marta, passando o megafone a Lourenço que, envergonhado, o passou a Morgana:
– Mas sabe que mais? Eu tenho aqui muitos papéis que dizem coisas lindas! Histórias de fazer sonhar! – Disse Morgana atirando as folhas ao ar. – Histórias sem fim, que não podem ser travadas!
Lourenço, roubando o megafone a Morgana, disse ironicamente:
– Afinal parece que a solução nos caiu do céu!
Quando as pessoas, que se encontravam no local, começaram a compreender o significado de cada palavra que os jovens tinham escrito e dito, uma manifestação começou.
Perante toda aquela vergonha, em que o ministro e quem o acompanhava se tinham colocado, tentaram escapar, mas a união fez a força. Eles não conseguiram passar pela multidão, em fúria.
Nuno, citou a velha, mas sempre actual frase: “O povo unido jamais será vencido”.
Os quatro desataram a rir, da cómica situação e resolveram retirar-se do local. Mas não riram por muito tempo. Ao descerem em direcção à saída do Palácio, outra pequena multidão os esperava! Desta vez eram os pais, por um lado preocupados e por outro furiosos, pela forma como os filhos se tinham exposto.
Muito preocupados, os quatro, comentavam entre si, que castigo caberia a cada um.
À noite, todos juntos, pais e filhos, em casa do Lourenço, ouviam os noticiários, que não se cansavam de repetir:
“A MENTIRA DO SÉCULO!
Hoje, as consciências acordaram!
A liberdade individual, a liberdade de expressão e a intervenção crítica venceram!
A solução está na juventude!
Realidade ou ficção?!
Decida você mesmo!”