Um dia, numa manhã fria e branca de geada, sentei-me perto do fogão de sala, juntamente com o meu irmão Gonçalo, e pus-me a desenhar. Desenhei, desenhei, desenhei… à toa, mas tentando, na emoção do que fazia, sentir vida no que desenhava e ia disfrutando tudo com fascínio. Era também uma forma de o maravilhar com a minha arte. Tenho muita confiança nos meus desenhos!
– Mana, que foste fazer?! – disse ele, assustado.
Eu mantive-me serena, a apreciar o espectáculo… e que espectáculo! Todos os meus desenhos tinham ganho vida, como por magia… Era a galinha preta, a cadelinha dourada, o cãozinho preto, a chinchila cinzenta, o coelhinho fofo e branco, a pequena formiguita… Tudo bulia!
Sentia-me como um ser sobrenatural, uma deusa.
– E agora? Ai, meu Deus!… Não desenhes algo perigoso! – avisou-me o meu irmão.
– Não te preocupes – disse.
Mas a verdade incontestável é que era um poder enorme mas também uma grande responsabilidade.
Mantive segredo e pedi o mesmo ao Gonçalo.
– Ouve… Não podes mesmo contar a ninguém… Percebes as consequências?
– Sim… É uma coisa boa, mas pode ser usada para o mal.
– Exacto, Gonçalo, imagina o caos que seria se esta notícia se espalhasse! Ainda me usavam como cobaia de testes e… já viste se toda a gente desenhasse o que queria?!
Desde que tudo aconteceu, tenho usado esta bênção para ter pequenos privilégios, nada de muito ganancioso, apenas simbólico… À noite desenho estrelas e coloco-as no tecto do quarto… Desenho coisas para criar momentos de diversão para mim e para o meu irmão…
Quanto aos minúsculos seres que desenhei pela primeira vez, esses, apareceram à porta da minha casa e foram acolhidos pelos meus pais que adoram animais e, ainda hoje, marcam a sua presença na nossa companhia; a gatinha Mimi é o encanto das nossas brincadeiras, delicia–nos com o seu rum-rum e as suas traquinices; a cadela Duquesa e o cão Duque fazem-nos correr como loucos atrás deles, o coelho fofo e a chinchila, esses… fugiram-nos. A formiguita, talvez tentando sobreviver, deixou-se ficar pelo açucareiro, lambendo a doçura do açúcar.
E eu? Nunca cheguei a dizer aos meus pais, gosto muito deles, mas isto é um segredo meu e do Gonçalo.
Tudo o que desenho torna-se realidade, sim… Já faz parte de mim… E cabe-me a mim gerir este meu dom!…