Trabalho Vencedor
Os vencedores da iniciativa Agora o Escritor És Tu! continuaram o livro “A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho”, fizeram perguntas muito giras ao escritor Mário de Carvalho.
A INAUDITA GUERRA DO TERREIRO DO PAÇO
A deusa Clio, uma semana antes de terminar o castigo imposto por Zeus, que era o de ficar privada de ambrósia durante quatrocentos anos, numa daquelas tardes aborrecidas no Olimpo, acabou por adormecer enquanto tecia a imensa tapeçaria da História que estava a seu cargo, enleando não dois, mas três fios. Amalgamaram-se então as datas de 30 de novembro de 1808, de 5 de outubro de 1910 e de 25 de abril de 1974.
O capitão Salgueiro Maia, de G3 nas mãos e encostado a uma Chaimite, observava o Terreiro do Paço, onde se encontrava uma força leal ao governo enviada para impedir que as tropas rebeldes tomassem os vários ministérios ali sediados e derrubassem o regime. O capitão, apreensivo, procurava algum atirador que se atrevesse a disparar para a rua apinhada de tropas fiéis e de paisanos, que aguardavam no que ia dar aquela revolução.
De súbito, a praça é invadida por um bando de maltrapilhos, vindos do lado do castelo, carabinas ao ombro a dar vivas à República. Da Rua Augusta, ao mesmo tempo, tropas de grandes capacetes emplumados e cantando a Marselhesa invadiam a praça.
– Mas que se passa aqui? – perguntou o capitão para um soldado. – O Carnaval já foi há muito.
O general Junot, à frente dos seus 1500 homens que tinham atravessado Espanha e Portugal para, por ordem de Napoleão, vir tomar Lisboa, sobre o seu cavalo branco, ergueu a espada recurva e deu ordem de alto ao exército.
Estranhas carroças sem cavalos, de cor parda, estacionavam na praça, com bocas de canhão a apontar para uma das ruas laterais onde uma outra carroça semelhante aparentemente fazia o mesmo. Seria mais uma manobra dos ingleses para confundir o glorioso exército de Napoleão?, perguntou-se o general francês.
Os maltrapilhos, entretanto, comandados por dois agentes da Carbonária, estacaram também, pensando que as tropas de Junot eram um destacamento monárquico enviado pelo rei para acabar com a revolução republicana.
Metido num blindado estacionado ao lado da estátua do rei D. José, estava o comandante das tropas fiéis ao governo, tentando contactar com o seu superior do quartel general, para saber o que fazer em situação tão pouco comum. Pelo rádio, depois de longos minutos de espera, procurou explicar a um coronel o que via através da ranhura do carro blindado:
– Meu coronel, uns loucos da Escola Prática de Cavalaria de Santarém chegaram a Lisboa armados até aos dentes e, ao que tudo indica, querem tomar os ministérios.
– Mas para quê, homem de Deus! Que pretendem eles? – perguntava-lhe o coronel do outro lado bocejando.
– Eu cá não sei. Mas cheira-me a mais uma revolta por causa da guerra no ultramar. Esses cobardes não querem dar com os costados em Angola.
– Ora essa! Eles acham-se especiais de corrida, ou quê? Nós também lá andámos. Comunique com esses gajos e diga-lhes que voltem imediatamente para o aquartelamento e que se entreguem ao oficial de serviço. É uma ordem.
– Meu coronel, duvido que eles acatem a ordem.
– Pois se não acatarem, mande-lhes uns tiros de raspão, a ver se ganham juízo.
– E aos do desfile, que faço?
– Qual desfile?
– A praça foi invadida por milhares de figurantes vestidos com fardas napoleónicas, carabinas, espadas e baionetas. Além de outros, que não sei bem o que representam. Parece que foi marcado para hoje um desfile e juntou-se aqui tudo. Cantam, gritam e dão vivas à República.
– Estou a ver que a coisa é mais grave do que eu pensava. Aguente-se, que vou mandar reforços. Temos de limpar a praça dessa canalha ou ainda irritamos o senhor presidente do conselho.
– Sim, meu coronel.
– Entretanto, se vir a coisa a aquecer, não hesite em disparar. Mate uns quantos, a ver se os outros dispersam.
Foi neste momento que a deusa Clio acordou e, vendo os três fios sobrepostos, os desfez e repôs no seu devido lugar. Felizmente ninguém tinha dado por nada e a História seguiu o seu rumo tal como ainda hoje está nos manuais escolares.
Texto dos alunos do 8.ºC do Agrupamento de Escolas Fernão de Magalhães, Chaves, com a professora Maria Leonor Escaleira