Quando tiveres tempo, tenta ler um romancezinho chamado Cândido, escrito há 265 anos pelo escritor e filósofo francês Voltaire. Não te vais aborrecer. A certa altura, o herói da história, o tal Cândido, anda em viagem e desembarca em Lisboa, onde apanha logo dois grandes sustos: a terra começa a tremer (era o terramoto de 1 de novembro de 1755…) e é preso pela Inquisição!
Voltaire era adepto do Iluminismo, uma doutrina que defendia a democracia, o progresso, a liberdade, a fraternidade e a tolerância. Nesse tempo, o Sul da Europa, incluindo Portugal, era visto pelos povos do Norte como um mundo de terror e superstições.
Mas o que era a Inquisição? Uma espécie de polícia com métodos terríveis. Já existia em Espanha há mais de 50 anos quando cá se instalou, em meados do século XVI. As pessoas suspeitas de não cumprirem as regras da Igreja Católica eram torturadas até confessarem os seus “crimes” e, muitas vezes, condenadas à morte na fogueira.
Os carrascos vestiam-lhes um trajo com um chapéu bicudo, chamado sambenito, e atavam-nas a um poste sobre uma pira de troncos a que ateavam fogo. Em Lisboa, estas execuções – a que davam o nome de autos de fé – ocorriam no Rossio e no Terreiro do Paço.
A perseguição aos judeus
Em Portugal, o Tribunal do Santo Ofício (que era o nome oficial da Inquisição) perseguiu sobretudo os judeus. Estes nem sempre eram mandados para a fogueira, mas ficavam-lhes com o dinheiro e outras propriedades que possuíssem.
Não foi fácil para os reis portugueses instalarem por cá o Santo Ofício. Como era um tribunal religioso, dependia da Santa Sé, em Roma, e era necessário obter a autorização do Papa. D. Manuel I pediu-a, mas não lha deram. Só o seu filho, D. João III, a conseguiu. E porque queriam os reis a Inquisição em Portugal? Porque era um poderoso instrumento de poder.
Os judeus eram as vítimas prediletas da Inquisição por serem, normalmente, comerciantes ricos ou grandes pensadores e cientistas, portanto demasiado poderosos e independentes para o gosto dos reis. Foi para evitar serem presos pela Inquisição que os judeus portugueses emigraram para outros países. Isso enfraqueceu Portugal e fortaleceu os locais onde se instalaram – a Holanda, por exemplo.
Como viste no início, só em meados do século XVIII é que deixou de haver condenações à morte pelos tribunais do Santo Ofício. E apenas o Liberalismo, já em pleno século XIX, acabou de vez com aquele terror.
O padre Malagrida
A última pessoa morta na fogueira, no tal dia 21 de setembro de 1761, foi o padre jesuíta Gabriel Malagrida. Nasceu em Itália, mas passou grande parte da vida no Brasil, a doutrinar os índios. Como o Brasil era uma colónia portuguesa, veio por mais do que uma vez a Lisboa pedir dinheiro ao rei para gastar lá.
Quando cá esteve no tempo de
D. José, por altura do terramoto de 1755, quem na verdade mandava no País era o ministro Carvalho e Melo, o célebre Marquês de Pombal. Ora, este não gostava dos jesuítas e ficou zangadíssimo quando Malagrida começou a dizer que o sismo tinha sido um castigo divino. Pombal tinha mandado distribuir um folheto no qual explicava às pessoas que o terramoto tinha tido causas naturais.
Entretanto, Malagrida começou a conviver com figuras da alta nobreza, e isso foi a causa da sua perdição. Quando o Marquês condenou à morte essas figuras sob a acusação de terem mandado disparar contra o rei (o atentado existiu, e D. José ficou ferido num braço), Malagrida foi também na onda…
Enquanto estava preso, falava e escrevia sobre anjos e santos que lhe diziam ao ouvido que o terramoto tinha sido uma punição divina e foi assim acusado de heresia, ou seja, de desvio da linha oficial de pensamento religioso. Pombal não gostava da Inquisição e, pouco depois, acabou com ela, mas naquele caso achou que a condenação pelo Tribunal do Santo Ofício ainda era o modo mais fácil de se ver livre de Malagrida…
Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 184 da VISÃO Júnior e editado a 21 de stembro de 2024