É claro que já ouviste falar de Os Lusíadas, o grande poema épico que conta – em muitas páginas – a História de Portugal até à descoberta do caminho marítimo para a Índia. E também deves saber que quem o escreveu foi o célebre Luís de Camões.
Tudo bem, mas aqui começam a dificuldades – e não só para ti. É que não se sabe muitas coisas acerca de Luís de Camões. Há desenhos que o representam a nadar no mar com um só braço, erguendo na outra mão o manuscrito de Os Lusíadas. Mas esta imagem é uma fantasia. Na verdade, poucas são as certezas que temos sobre a vida do maior poeta português de sempre.
Onde nasceu Luís Vaz de Camões? Provavelmente em Lisboa, mas não é seguro. Em que ano? Por volta de 1524, mas não há a certeza. Era nobre ou plebeu? Talvez da pequena nobreza, porque pôde aprender latim e a Cultura Clássica em geral. Estudou em Coimbra? É de crer que sim, mas o arquivo da Universidade não regista a sua passagem por lá. Teve uma vida agitada? Isso de certeza, a avaliar pelas muitas senhoras a quem dedicava poemas de amor e pelas vezes que esteve preso devido a combates à espada com os maridos das tais damas.
Muitas aventuras
Camões partiu para o Norte de África para esquecer um amor infeliz? Diz-se que sim, e é verdade que esteve em Ceuta, no Norte de África, e perdeu o olho direito em combate no Estreito de Gibraltar, o que explica o motivo porque é frequentemente representado com uma pala preta a tapar um olho.
Esteve depois no Oriente? Sim, isso também é certo, e lá viveu uns quinze anos lutando contra muitas adversidades e escrevendo aos poucos a sua obra mais célebre, Os Lusíadas.
Escreveu grande parte do poema épico numa gruta de Macau? Isso talvez não, e quem conhece o Jardim de Camões, naquela cidade chinesa que durante quatro séculos e meio pertenceu a Portugal, percebe que não seria muito fácil viver na dita «gruta», que até parece ser uma construção artificial.
Salvou mesmo o manuscrito do poema a nado? Não da forma que imaginamos, mas o naufrágio de um navio em que Camões viajava foi uma realidade, que aconteceu junto à foz do rio Mekong, no actual Vietname.
Desempenhou cargos oficiais? Sim, e um deles parece ter sido o de Provedor-Mor dos Defuntos e Ausentes em Macau, quer dizer, a pessoa encarregada do registar os desaparecimentos e as mortes de portugueses naquela cidade.
De regresso a Portugal, morreu na miséria? Diz-se que um criado dele (o escravo Jau) pedia esmola para ambos sobreviverem. Mesmo assim, o jovem rei D. Sebastião – que pouco depois desapareceria na batalha de Alcácer Quibir – recebeu-o no palácio e pediu-lhe para ler Os Lusíadas em voz alta. Depois, ordenou que a obra fosse publicada e atribuiu a Camões uma pequena pensão. Mas é quase certo que o grande poeta vivia com sérias dificuldades.
Como vês, são mais as dúvidas do que as certezas na vida de Camões. Mas que ele era muito culto, disso não há dúvida. Foi uma figura típica de «humanista», aquelas pessoas do Renascimento que conheciam profundamente a cultura dos antigos Gregos e Romanos e a sua complicada mitologia.
Deuses e heróis
E foi exatamente na mitologia que ele assentou a estrutura de Os Lusíadas, uma longa obra de quase 9 mil versos divididos por mais de mil estrofes e dez cantos (ou, se assim preferires, capítulos). O seu modelo foram os poemas épicos da Antiguidade, como a IIíada e Odisseia, do grego Homero, ou a Eneida, do romano Virgílio.
Em Os Lusíadas, Camões conta a viagem da esquadra de Vasco da Gama que, em 1497, parte do Restelo, junto de Lisboa, à descoberta do caminho marítimo para a Índia. Essa aventura é motivo de uma conversa entre os deuses da Antiguidade.
Quando a armada chega a Melinde, na costa oriental da África, Vasco da Gama conta a História de Portugal ao rei daquela cidade. Nessa narrativa posta na boca do navegador, Camões desenvolve temas que depois se tornaram célebres, como os amores de D. Pedro I e D. Inês de Castro ou o torneio de cavalaria em que participaram os Doze de Inglaterra.
Alguns assuntos hoje bem conhecidos foram mesmo criações suas, como o gigante Adamastor do cabo das Tormentas (depois chamado cabo da Boa Esperança) ou o aparecimento do Velho do Restelo à beira-Tejo na hora da partida da esquadra…
O título Os Lusíadas também tem que ver com a mitologia. Os antigos falavam de um tal Luso, que seria filho de Baco, o deus do vinho. Ora, Camões apresenta esse Luso como tendo sido o fundador da Lusitânia, que como decerto sabes era o nome que os Romanos davam à maior parte do território que hoje é Portugal.
É claro que Luso nunca existiu, e ignora-se a explicação do nome de Lusitanos dado aos povos da zona. A palavra deve ter origem numa das línguas celtas por cá faladas antes de os Romanos terem trazido o latim (do qual deriva o português).
De qualquer forma, a personagem de Luso deu muito jeito durante o domínio castelhano em Portugal, entre 1580 e 1640, quando os patriotas defendiam que um país fundado por um herói da mitologia tinha mesmo de ser independente!