Os pais separados e as famílias recompostas enfrentam muitas vezes verdadeiros «quebra-cabeças» para conseguir gerir as férias das crianças e articular Natal e passagem de ano a contento de todos.
Discordâncias, intransigências e dificuldades práticas, como distâncias geográficas ou limitações decorrentes da pandemia, são os principais desafios. O ideal seria conseguir manter presente o objetivo de privilegiar o afeto e o direito das crianças a usufruir da sua família, seja qual for a realidade familiar.
Organizar as férias de Natal para evitar conflitos
«Quando os progenitores comunicam bem um com o outro encontram, naturalmente, as melhores soluções para o seu contexto específico. Os problemas colocam-se quando comunicam mal ou não falam de todo e, nesse caso, é importante pensar ainda com mais cuidado na melhor forma de organizar o Natal, tendo em conta o interesse das crianças», afirma a psicóloga clínica Alcina Rosa.
Como mediador familiar, Rui Pinto de Almeida observa estas dificuldades na prática assim como as suas consequências mais nefastas. «Há pais que disputam os filhos, sobretudo nesta quadra, esquecendo-se de que também lhes provocam sofrimento. Saber cooperar, dialogar, (re)construir a relação parental, que segue paralela à vida individual de cada progenitor é fundamental. É evidente que o conflito não desaparece de um dia para o outro – a reconstrução da comunicação carece de tempo e disponibilidade e, às vezes, de acompanhamento», sublinha.
Para que isto aconteça, os pais terão de entender que «apesar de já não serem um casal afetivo serão para sempre sempre um ‘casal parental’ no que toca àqueles filhos, ou seja, um duo a quem cabe resolver as necessidades das crianças. A separação é conjugal, não é parental e os pais devem entender isso. Muitas vezes peço aos meus clientes para pensarem em como é que acham que daqui a alguns anos os seus filhos irão olhar para esta fase e para a forma como eles conseguiram resolver os problemas. Não podemos esquecer que os menores são seres em formação e que passar valores é essencial», lembra o mediador.
Em termos práticos, nos casos em que os pais não se entendem, o melhor será seguir as indicações da regulação do poder paternal estabelecidas pelo tribunal, aconselha Alcina Rosa, e «a partir dos 7 ou 8 anos também já se deverá pedir a opinião da criança», salienta.
Rui Pinto de Almeida corrobora: «Ouvir os desejos da criança ajuda, eventualmente, a encontrar soluções. Os progenitores até podem, cada um, ter uma ideia definida mas ser surpreendidos com outra solução muito mais adequada e igualmente praticável. Saber aproveitar isso é muito importante, não só porque diminui o conflito, como o menor se sente acolhido e respeitado. Se dúvidas houver, pode-se sempre fazer uma experiência, ver como funciona, ajustar o que tem de ser ajustado, mas sempre numa perspetiva de abertura, para recuperar a confiança entre todos.»
Passarem o Natal juntos: sim ou não?
«Pais que se dão bem podem ter a tentação de o fazer para minimizar sofrimento às crianças, no entanto, sobretudo no caso de separações recentes, eu desaconselho esta solução pois pode dar indicações confusas à criança, nomeadamente de que a separação pode vir a ser revogada. Por outro lado, e no caso de haver mais familiares presentes, como os avós da criança, pode haver constrangimentos adicionais decorrentes de algum mal-estar relativamente ao outro progenitor ou tomada de partidos, que será melhor evitar.
Este cenário só funciona caso todos se deem realmente bem e esteja absolutamente claro para as crianças que os pais estão separados. Entendo que muitos pais considerem esta solução em caso de separações recentes, porque se preocupam muito com os filhos e os querem poupar a esta transição difícil, mas entendam que se eles já viram os pais separados já esperam que o Natal seja com um e o Ano Novo com outro.
Provavelmente, já falaram disso com os amigos e têm colegas em situações similares. e alguma vez terá de ser a primeira. Mesmo crianças mais pequenas já se habituaram a ter duas realidades e duas casas. e a verdade é que, a partir do momento em que se dá a separação, o Natal ganha forçosamente um cunho diferente que é preciso assumir», afirma Alcina Rosa.
Também para o mediador Rui Pinto de Almeida, esta solução só funcionará com um grau de comunicação muito elevado entre os progenitores. «Já assisti a um casal que em sede de Regulação das Responsabilidades Parentais decidiu pela convivência conjunta destas quadras, Natal, Páscoa e aniversários da criança, justamente porque conseguiram restabelecer o respeito e a confiança. As crianças necessitam de se sentir amadas pelos seus progenitores e em segurança, mas, em última análise, isso tanto pode acontecer com a passagem da noite de Natal conjuntamente, como separadamente.»
A véspera com um e o dia de natal com o outro
É a solução clássica para os pais que vivem perto ou vão passar a quadra a distâncias que permitam esta deslocação sem grandes transtornos. O arranjo pode ser invertido no ano seguinte, mas só se tal fizer sentido. «Pode haver situações em que num dos lados da família a criança passa o natal com outras crianças e no outro lado ela é a única no meio de adultos, então o melhor para ela pode ser passar sempre o dia 24 com o lado em que tem mais crianças e ir almoçar com a outra parte da família no dia 25», exemplifica Alcina Rosa.
Noutros casos, além da flexibilidade, pode ser preciso adicionar mais criatividade: «Recordo-me de uma situação em que um dos progenitores se deslocava a casa dos avós do menor, a cerca de 4 a 5 horas de viagem. No ano em que a criança passava a noite de Natal com este progenitor era difícil estar presente no almoço de Natal com o outro. Ambos encontraram uma solução que permitia à criança também estar com aqueles seus avós: o almoço passou a ser o jantar de Natal. A cooperação entre os progenitores funcionou bem, foram criativos, houve a disponibilidade de ‘calçar os sapatos do outro’ e todos ganharam», conta o mediador familiar.
O Natal com o pai e o Ano Novo com a mãe
«Este arranjo pode resultar nos casos de distância geográfica ou numa situação em que num dos lados o Natal é muito valorizado e no outro já não, mas em compensação se instituiu a tradição de irem fazer uma viagem maior na passagem de ano», exemplifica a psicóloga Alcina Rosa.
Para o mediador familiar Rui Pinto de Almeida, o essencial será entender que «o que os pais acordam para uma criança de 3 anos, provavelmente, não se adequa a um adolescente.» Os pais terão de ter presente que os filhos vão crescer, os interesses e necessidades deles também vão ser diferentes e é preciso ir sabendo fazer esse caminho.»
Presentes: em conjunto ou separadamente?
«Este é um dos temas discutidos em sessões de mediação familiar. Um presente é algo que se escolhe para dar a alguém, retirado de alguma prateleira onde estavam outros iguais. É aquele objeto que se dá e não outro. É aqui que reside a importância da dádiva. Uma criança pequena não tem ideia do valor económico do objeto. Tem a noção de que alguém lhe deu aquilo, que era algo que esperava receber, ou que não esperava, mas de que gosta muito, que lhe dá muito prazer.
Tenho assistido a casais parentais acordarem na compra de um presente caro, para oferecerem num aniversário, comprado pelos dois e oferecido pelos dois, como também tenho assistido a soluções que passam por cada progenitor fazer a oferta de presentes separadamente, mesmo em situações de bom convívio parental, incluindo estarem naquele momento no mesmo espaço.
Quando a comunicação é escassa, a opção acaba quase sempre por cair no presente entregue separadamente. É importante referir que não estando estabelecida a comunicação, em situações de residência fixa, com fins de semana alternados, pode tornar-se mais difícil para o progenitor com quem a criança não reside saber identificar as suas necessidades e aspirações quanto a presentes. Por isso, recuperar a comunicação com o outro progenitor é muito importante, não só para estas ocasiões, mas para todas as restantes situações que irão surgir durante o desenvolvimento da criança ou mesmo do adolescente», alerta Rui Pinto de Almeida.
Para a psicóloga Alcina Rosa «é sempre boa ideia combinar a atribuição dos presentes, ou mesmo dar presentes em conjunto, seja qual for a idade dos filhos, para não sobrepor prendas e, sobretudo, para mostrar aos filhos que os pais continuam a ser uma unidade no que toca à sua educação. Infelizmente, no caso de separações litigiosas, não se combina nada, é tudo separado – não só os presentes, como até roupa do dia-a-dia as crianças têm que trocar quando vão de uma casa para a outra. É comum até haver competição, ou um progenitor denegrir o que o outro ofereceu. O resultado é muitas vezes um excesso de presentes que é nocivo. Será que faz sentido a criança ter duas consolas de jogos quando pode perfeitamente levar a consola de uma casa para outra?», questiona.
Como explicar aos miúdos que este Natal vai ser diferente?
«Explica-se sempre com a verdade. Há uma pergunta que os pais podem fazer a si próprios: se fosse comigo, o que eu gostaria que os meus pais me dissessem? Talvez a resposta se encontre na criança saber e sentir que a separação daqueles dois adultos, não implica a separação dos pais de si mesma.
Lembro-me de um casal que optou por comunicar em conjunto aos seus filhos a sua opção de vida, reforçando a ideia de que seriam sempre pais deles e que o Natal tinha vários momentos: a ceia, o almoço e que as prendas se abriam e se trocavam em dois lados diferentes. Como era o primeiro ano, os progenitores acordaram em abrir espaço para uma videochamada caso sentissem que os filhos necessitavam disso. Isso efetivamente aconteceu, e a conversa foi mais direcionada para verem onde e como o outro progenitor estava a passar aquele momento, acabando por ser breve», conta Rui Pinto de Almeida.
A verdade é que «a partir do momento em que os pais se separam, as crianças já sabem que o Natal será diferente», reforça Alcina Rosa. «Mesmo as mais pequenas, a partir dos 5 ou 6 anos, se já vivem entre casas irão esperar que no Natal seja parecido. As crianças julgam o mundo de acordo com o que conhecem.
Importante será perceberem que os pais já estiveram juntos um dia e que elas são fruto do amor deles. Para as que eram muito pequenas na altura da separação, pode até ser importante ver fotografias do casamento dos pais ou outros momentos dos dois juntos para criar essa imagem do duo parental e associá-lo a sentimentos positivos no que toca a ela», sugere a psicóloga.
Alguns truques para aliviar a ansiedade dos miúdos (e dos pais)
«Na maioria das vezes, a ansiedade vem mais dos pais (preocupados em ser bons pais e, por isso, ansiosos) do que das crianças. No entanto, em caso de separações litigiosas, em que costuma haver discussões nestas alturas do ano, convém estar atentos a possíveis sintomas das crianças que revelem o seu mal-estar.
As crianças ouvem muita coisa e, por vezes, antecipam os constrangimentos que possam vir a acontecer entre os pais e entendem que não devem falar do assunto para não os magoar, mas elaboram acerca dele e podem mesmo somatizar esse mal-estar manifestando o seu desconforto através de mais choros, birras, comportamentos de oposição ou sintomas como dores de barriga, dependendo da idade.
Neste caso, é essencial falar com elas e mostrar-lhes que os pais se vão entender e combinar tudo da melhor forma. Dizer-lhes o que estão a pensar fazer e, dependendo da idade, perguntar-lhes o que acham. As crianças não devem ser apanhadas desprevenidas», alerta Alcina Rosa.
4 estratégias para pôr em prática
A sugestões do mediador familiar Rui Pinto de Almeida.
- Evitem os SMS
«Idealmente, os progenitores devem falar pessoalmente – presencialmente, ao telefone, ou por videochamada – de modo a clarificar melhor o que querem dizer e o que sugerem fazer nesta quadra. Os SMS não têm a componente da entoação e do tom de voz, tão importante na comunicação humana. Falar ajuda a fomentar uma atitude mais cooperativa, que permitirá diminuir a tensão, a ansiedade, a nostalgia que se poderá sentir – entre outras emoções – e ajudará a recuperar a confiança entre os progenitores.»
- Centrem-se nos interesses das crianças
«Esta é uma boa estratégia para diminuir emoções negativas, e encontrarem a solução que melhor serve a todos.»
- Oiçam os vossos filhos
«É preciso ter presente que tudo isto afeta também os filhos, pelo que, se tiverem idade e maturidade para isso, os pais devem ouvi-los, acolherem as suas ideias e pô-las em prática se forem adequadas.»
- Sejam criativos
«O Natal celebra-se entre duas ou três refeições, pelo que deve haver uma forma de ser celebrado com cada um dos progenitores. Ser criativo faz parte desta estratégia.»
Quando o casamento está por um fio
«Costumo dizer aos meus pacientes: ‘Ninguém pede o divórcio no Natal! Quem aguentou até agora aguenta até janeiro’. Digo isto porque, se há filhos, permanecer juntos durante a quadra pode ser um mal menor», refere Alcina Rosa, psicóloga clínica, «Poderá valer a pena cumprir a tradição e tentar comportar-se o melhor possível. Vai haver tensão, mas, se houver separação, a quadra ainda será pior e o Natal fica minado para sempre.»
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