A foca-monge do Mediterrâneo ou lobo-marinho (nome científico: Monachus monachus) é a única espécie de foca residente em território português. O contacto inicial dos portugueses com este mamífero marinho remonta a 1420, quando João Gonçalves Zarco descobriu a Ilha da Madeira e, em particular, uma zona costeira a oeste do Funchal batizada de “Câmara de Lobos”. Presumo que não tenhamos causado uma primeira boa impressão junto das focas, uma vez que o historiador açoriano Gaspar Frutuoso descreve este encontro do seguinte modo: “Aqui se meteram com os batéis e acharam tantos lobos-marinhos que era espanto; e não foi pequeno refresco e passatempo para a gente; porque mataram muitos deles e tiveram na matança muito prazer e festa”. A foca-monge continuou a ser caçada devido à sua pele e óleo nos séculos seguintes e, em meados do século XX, já tinha sensatamente aprendido a refugiar-se longe da presença humana em partes remotas da Madeira e nas Ilhas Desertas.
Depois da Revolução de 1974, regressaram ao arquipélago pescadores madeirenses vindos de Angola, que trouxeram consigo redes de emalhar. Só que o uso desta nova arte de pesca pouco seletiva causou o gradual declínio dos recursos pesqueiros. Para além disso, e a provar que nem tudo o que vem à rede é peixe, as focas que tentavam chegar ao peixe capturado ficavam por vezes presas nas redes e morriam por afogamento. Os pescadores é que não ficaram muito contentes com esse interesse das focas, o que aumentou a sua morte intencional. Como resultado, o número de focas no arquipélago em meados dos anos 80 era apenas de seis a oito indivíduos, confinados às Desertas- a espécie estava, portanto, à beira da extinção naquela região…
A União Europeia criou um projecto que decorreu entre 1988 e 1990 suportado por fundos comunitários possibilitou a construção de uma estação de observação na Deserta Grande e a contratação de vigilantes que fiscalizavam e sensibilizavam os pescadores. Temendo a reação dos pescadores, e a pedido do Governo Regional, evitou-se a designação de Reserva e classificou-se inicialmente as Desertas como “Área de Proteção Especial”. Antes que a legislação de proibição de uso de redes entrasse em vigor, os pescadores tiveram oportunidade de escolher uma arte de pesca mais sustentável, cuja aquisição foi financiada pelo projecto.
Em virtude destas medidas, bem como da monitorização e estudo da foca-monge, ações de sensibilização ambiental e um programa de recuperação de animais doentes e feridos, a população deste mamífero marinho tem crescido no arquipélago ao longo das duas últimas décadas, tendo atingindo cerca de 20 indivíduos no início do milénio e sendo estimada atualmente em 30 a 35 indivíduos. A estima dos pescadores pela foca-monge também parece estar a aumentar apesar de uns conflitos pontais, segundo revelou um estudo recente.
Não gostava de desiludir os leitores com um banho de água fria depois desta história de sucesso, mas a verdade é que a foca-monge continua a estar “criticamente ameaçada” de extinção, com uma população mundial de 350 a 450 indivíduos e uma tendência geral de regressão. O arquipélago da Madeira, juntamente com as Ilhas Spades na Grécia, são assim dois pequenos oásis onde as populações contrariam esta tendência de decréscimo. Portanto, veremos num futuro próximo se a história da recuperação da foca-monge na Madeira foi apenas um dos últimos fôlegos antes da sua extinção ou se será possível generalizar as medidas acima descritas e corrigirmos definitivamente aquela primeira má impressão deixada por Gonçalves Zarco e seus contemporâneos.