O alerta é feito por Tito Morais, um dos fundadores do projeto Agarrados à Net, que há duas décadas se dedica aos temas da segurança online. “Nas ações de formação que fazemos com pais, perguntam-me muitas vezes que ferramentas aconselho, e o que eu lhes digo é que o melhor software de controlo parental que conheço é aquele que os nossos filhos têm entre as orelhas!”
A resposta, em tom de brincadeira, contém uma mensagem séria: a tecnologia, por si só, não resolve o problema da segurança digital. Daí a importância da abordagem parental: temos de acompanhar e ensinar os nossos filhos [a usar a internet]”, sublinha Cristiane Miranda, cofundadora do Agarrados à Net e especialista em parentalidade digital.
“É geralmente na altura da pré-adolescência, quando os filhos ficam mais autónomos que os pais se lembram destas ferramentas, mas temos de ter consciência de que o controlo parental vai perdendo eficácia à medida que os filhos crescem”, adverte Tito.
O problema não está na tecnologia, mas na capacidade que os mais novos têm de a contornar. Muitos deles, no momento em que têm o seu primeiro telemóvel, por volta do 5.º ano de escolaridade, já usam tecnologia há anos, por isso “conseguem dar a volta à coisa com facilidade! Existem muitas maneiras de o fazer, basta perguntar ao Google ou ao Chat GPT, tutoriais…” Então, o que fazer?
Controlo versus segurança
Quando perguntamos a Ivone Patrão, psicóloga e professora no ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada e coordenadora do projeto Geração Cordão, se é a favor ou contra o uso de ferramentas de controlo parental, não tem dúvidas: “Estas ferramentas são muito úteis, mas nas idades mais jovens, quando as crianças ainda não têm literacia digital para evitar os riscos enquanto usam a internet. O problema é que os pais só se lembram disso na pré-adolescência, a altura em quando os filhos se tornam mais autónomos. Até aí, arrisco dizer, segundo os estudos que têm sido feitos, que na maioria dos casos não há controlo absolutamente nenhum.”
Cristiane Miranda concorda e acrescenta que, mais do que controlo, deve haver acompanhamento parental. E esse acompanhamento passa, por exemplo, por ver filmes com os filhos, para que possam discutir em conjunto o que veem; ajudá-los a fazer pesquisas na internet; explicar os riscos de estabelecer contacto com pessoas que só “conhecem” online. “Esta conexão é muito importante, para que eles percebam que não se trata de uma questão de controlo, mas de segurança.”
Tito Morais vai mais longe. Na sua opinião, apostar todas as fichas em ferramentas de controlo parental, que nos informam sobre a localização dos nossos filhos, o tempo que passam nos ecrãs, que sites visitam e que aplicações usam, faz dos pais verdadeiros ciberstalkers.
“Isto não é saudável. Se forem educados assim, serão certamente adultos dependentes, habituados a que alguém decida por eles o que é certo ou errado, o que podem ou não fazer.” Além disso, acrescenta, “uma criança que cresce nesta dinâmica de ciberstalking, no futuro pode vir a achar normal exercer esse tipo de controlo sobre os seus pares ou companheiros.”
Da infância à adolescência
Por outro lado, por muito eficazes que os softwares sejam, não é possível controlar tudo a toda a hora. “Basta pensar que os colegas da escola também têm telemóveis…” recorda Cristiane Miranda. Mas será que é isso que queremos? Total vigilância sobre os nossos filhos?
“Hoje, a coisa mais importante que lhes podemos dar talvez seja a capacidade de terem um pensamento crítico. Aprender a parar para pensar, para refletir. E essa capacidade crítica é algo que tem de ser trabalhado com os pais”, aconselha Tito Morais.
Do trabalho que desenvolve com crianças e famílias, Ivone Patrão realça a necessidade de comunicação em todos os aspetos da vida e, naturalmente também, no que se refere ao uso das tecnologias. “As regras devem ser instituídas desde muito cedo, para já estarem apreendidas quando chegarem à adolescência. Se não for assim, dificilmente vão ser bem sucedidos, porque a adolescência é precisamente a fase em que eles testam os limites e pisam o risco. Faz parte da idade.”
Mas aponta também a necessidade de desdramatizar quando uma vez por outra as regras são quebradas. “É sempre uma oportunidade para conversar com eles, retirar conclusões, discutir consequências. Os pais têm de perceber que na infância é fácil impor regras, mas na adolescência o ideal é negociar, fazer compromissos, pois os adolescentes já têm uma palavra a dizer.”
Para Tito Morais, na dúvida de como devem lidar com esta situação, os pais podem ter uma de três atitudes: “estou-me nas tintas e seja o que Deus quiser”, estabelecer limites ou dizer-lhes que existem estas ferramentas que os podem ajudar a autorregularem-se quando estão a usar a internet ou tecnologia e sugerir-lhes a sua instalação. “Se percebem que os filhos não se conseguem autorregular e cumprir os limites, podem ativar o software e ver como corre. Se der resultado, podem desativá-lo novamente”, mas sempre com o conhecimento deles.
“E se instalar estas ferramentas sem lhes dizer?”
Todos concordam: é uma má ideia. “A verdade e o compromisso são essenciais. Instalar sem lhes dar conhecimento vai criar um sentimento de desconfiança nos jovens, que poderão vir a copiar esse mesmo comportamento, escondendo dos pais situações da sua vida”, defende Ivone Patrão. “Façam o que fizerem, é essencial estabelecer uma relação de confiança e partilha entre todos.”
Para a docente, contudo, há ainda muito trabalho a fazer com as famílias no que toca ao uso das tecnologias. Um estudo realizado em 2022 pelo projeto Geração Cordão, que coordena, concluiu que 90% dos jovens entre os 12 e os 18 anos adormecem com tecnologia (leia-se telemóveis) e usam-na durante a noite. “Eu pergunto: onde está aqui a supervisão dos pais?”
Conclusão: supervisionar, acompanhar ou instalar ferramentas de controlo parental é uma decisão dos pais. E, na hora de decidir, há variantes que devem ser levadas em conta: a idade da criança, a sua maturidade, a sua capacidade de autorregulação e a informação de que dispõe sobre os riscos quando está online.
Não devem esquecer, como aponta Ivone Patrão, que quando uma criança começa a ter contacto com a tecnologia, “os pais devem ajudá-la a entrar e a sair”. É o tal acompanhamento parental que Cristiane Miranda não se cansa de recordar aos pais. Afinal, “ninguém atira um filho para uma piscina se ele não souber nadar.”
Se estiver a ponderar usar ferramentas de controlo parental, saiba que…
- Uma das mais populares é disponibilizada pela Google. Vá à loja Google Play e procure por Family Link. Instale a app e siga os passos indicados.
- O Google Chrome também pode ser monitorizado pelos adultos. Nas definições da Family Link poderá aceder a filtros que bloqueiam sites ou consultar o histórico de pesquisas das crianças.
- A Microsoft também dispõe de um sistema de controlo parental, o Family Safety que pode ser gerido remotamente através da sua conta. Uma vantagem: permite a gestão não só dos computadores com Windows, mas também da Xbox.
- Existem no mercado routers capazes de gerir o uso de internet de cada utilizador, independentemente do dispositivo que estiver a usar (telemóvel, portátil, consola).
- Quase todas as plataformas sociais, como o Youtube, por exemplo, permitem alterar definições de forma a limitar os vídeos que são mostrados. Em alternativa, pode usar o YouTube Kids, só com conteúdos indicados para os mais novos.