Na Bica dos Olhos, haverá alguém a espiar-me? Claro que não há ninguém a espiar-me! A fonte é chamada assim porque a sua água era usada para curar doenças dos olhos.
Houve em tempos um francês que pedia ao criado para ir buscar a água da bica, que depois vendia em garrafinhas com um nome pomposo. Mas, afinal, o que é que isso tem de mal?! É que a bica não era dele, era de Duarte Belo.
Quando se descobriu de onde vinha a água, as pessoas começaram a ir buscá-la diretamente à bica. Mas havia um truque: ir buscá-la antes do nascer do sol. E agora voltemos ao francês, o que foi feito dele? Fugiu a sete pés, com medo de ser apanhado.
Sabe-se agora que a água era sulfatada, isto é, era uma água com mais de 200 mg de sulfato por litro. O sulfato é o sal ou éster do ácido sulfúrico. A água sulfatada é usada nas termas, mas a indicação médica não é para doenças dos olhos.
Várias ruas da freguesia da Misericórdia têm a sua toponímia relacionada com a Bica dos Olhos. É verdade, a bica era tão importante para as pessoas que há ruas com o seu nome; por exemplo, a Rua da Bica Duarte Belo, onde passa o conhecido Ascensor da Bica.
A Bica dos Olhos resistiu ao Grande Terramoto de 1755. Parece ser resistente… Será feita de quê?
A Bica dos Olhos é feita de lioz, uma pedra calcária extraída de pedreiras gigantes. Há pedreiras de lioz nos distritos de Lisboa, Leiria e Santarém.
Na parede da Bica dos Olhos há umas manchas.
Serão manchas de sujidade? Grafíti? Ou fósseis? Eu acho que são fósseis. Consegui encontrar fósseis de Nerinea (uma espécie de caracol marinho) e outros gastrópodes (em forma de cone) e de rudistas (os mais arredondados).
Na Bica dos Olhos, há um brasão com dois corvos a bordo de uma nau. Será que viajam sem pagar bilhete?
Claro que viajam sem bilhete. Reza a lenda que estes corvos estariam a proteger o corpo de São Vicente quando este estava a ser transportado de Sagres para Lisboa. São Vicente é considerado o padroeiro de Lisboa e os corvos são relembrados no Brasão de Armas de Lisboa.
Na Bica dos Olhos, lê-se “He obrigado o dono desta propriedade a concervar esta bica sempre corênte à sua custa”.
Sim, esta inscrição está mesmo talhada na Bica dos Olhos. Vou traduzi-la para português corrente: «É obrigado o dono desta propriedade a conservar esta bica sempre corrente à sua custa.»
Talvez as gerações alfacinhas queiram manter a tradição
de irem lavar os olhos à bica. Mas, infelizmente, a água não está corrente. Por que razão é um mistério…
Agradecimentos: Carla Madeira, Presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia e Joana Reis Leite do Museu Nacional de História Natural e da Ciência.