Naqueles inícios do século XV, ninguém tirava da cabeça dos filhos do rei D. João I eda rainha D. Filipa de Lencastre a ideia de irem conquistar Ceuta. Esta cidade muçulmana, situada do outro lado do estreito de Gibraltar, já em África, e que hoje pertence à Espanha, era então muito importante.
Aqui há uns anos era costume muita gente ir a Ceuta comprar aparelhos eletrónicos a um preço mais baixo e, ao mesmo tempo, encher os olhos com o relativo exotismo daquela cidade. Mas no século XV não se viajava simplesmente para fazer turismo. Então, qual era o interesse que havia em lá ir?
Ceuta era o local onde terminavam a sua rota as mais importantes caravanas de camelos que atravessavam o deserto do Sara, carregadas de ouro e de marfim vindo da Guiné. Assim sendo, quem governasse essa cidade ficava senhor de muitas riquezas. Estes eram os argumentos dos príncipes (ou dos infantes, como se dizia) para tentarem convencer o pai, mas o que eles queriam mesmo era combater, combater, combater.
Que bela maqueta!
Mas como haviam de combater, se Portugal estava em paz desde as guerras com Castela de há 30 e tal anos antes (que meteram o cerco de Lisboa, a batalha de Aljubarrota, etc.) e eles não tinham tido a «sorte» de viver nesse tempo?… Bom, bom mesmo, pensavam eles, teria sido a sua passagem pelo mundo ter coincidido com as guerras contra os mouros, dois ou três séculos atrás… Os rapazes teimavam nisto porque eram grandes leitores dos romances de cavalaria e gostavam de se comparar aos lendários heróis das histórias do rei Artur e do imperador Carlos Magno.
Por fim, D. João I lá se decidiu a enviar a Ceuta dois espiões, chamados Afonso de Mendonça e Álvaro Camelo. Para disfarçar, estes homens de confiança do rei iam a chefiar uma embaixada à grande ilha mediterrânica da Sicília e, no caminho, fariam uma escala na cidade norte-africana.
Quando voltaram a Lisboa, vinham carregados de informações preciosas. Mendonça contou uma profecia que ouvira (ou que inventou), segundo a qual Ceuta ainda haveria de ser portuguesa. Camelo, que tinha jeito para trabalhos manuais, construiu com areia e pedrinhas, no palácio real, uma maqueta da cobiçada cidade, mostrando a D. João I e aos infantes os seus pontos defensivos mais fracos.
Apanhados de surpresa
Bom, D. João I lá se deixou convencer com a maqueta e com o palavreado dos espiões. E, depois de ter obtido a concordância do vizinho reino de Castela (com o qual, como já vimos, Portugal vivia então em paz), deu, como hoje se diz, luz-verde à expedição.
Um exército de cerca de 20 mil homens embarcou então em Lisboa no dia 25 de Junho de 1415 (foram precisos quase 200 navios pars os transportar!), animadíssimo com a esperança de que o assalto iria correr bem. Dessa tropa faziam parte mercenários (que são soldados estrangeiros contratados) ingleses, galegos e bascos,
E o assalto correu, de facto, bem. Para os portugueses, entenda-se, porque para os marroquinos correu mal… A 21 de agosto a tropa desembarcou nuns areais. Os mouros foram a correr fechar as portas da cidade, mas a sua surpresa foi tal que mal conseguiram defender-se, e no dia seguinte Ceuta já era portuguesa. E foi-o até a Espanha se apropriar dela, quando os dois países ibéricos estiveram politicamente ligados, entre 1580 e 1640, sem nunca mais a devolver.
Agora, os espanhóis têm naturais problemas com os marroquinos, que pretendem que Ceuta lhes seja restituída. Mas o brasão de armas de Ceuta continua, ainda hoje, a ser o escudo português. Costuma considerar-se a data de 1415 como sendo a do início da expansão portuguesa para outros continentes.
Falta acrescentar que os filhos de D. João I foram armados cavaleiros ali mesmo em Ceuta, logo a seguir à vitória portuguesa. Sentiram-se mesmo cavaleiros invencíveis, como os das histórias do rei Artur e da Távola Redonda!