Num dia de verão, numa pequena cidade, estávamos eu e os meus amigos a jogar à bola, quando passou por nós um tipo que andava a distribuir panfletos que faziam publicidade a um concerto de rock na garagem do nosso colega David Alberto. E, como era habitual, alinhámos todos em ir. Essa noite foi inesquecível para mim, digamos que foi a melhor da minha vida.
Estava bastante gente no concerto, mais do que seria de esperar. A música, a comida, as bebidas e o ambiente estavam brutais e, como se não bastasse, bem na última música, os meus amigos, os mesmos com quem eu jogava à bola há umas horas, elevaram-me com os braços e passaram-me por cima da plateia até chegar ao “palco”, que eram basicamente seis paletes de madeira unidas umas às outras. Lá de cima ouvia todos a gritarem o meu nome. Eram duas horas da manhã quando começaram a arrumar as cenas, eu fui ajudar e aproveitei para meter conversa com o David. Começámos a falar, eu disse que tinha gostado do concerto e ele explicou-me umas coisas mais técnicas sobre a sua banda e de como se juntaram. Antes de me ir embora, chamou-me à parte e deu-me uma lembrança daquela noite, que era nem mais nem menos que a pauta com as notas e com a letra da última música, aquela que cantavam quando fui ao palco.
Este cenário repetiu-se todas as noites de sexta-feira durante uns meses e eu estive presente em todas, em algumas delas era chamado ao palco para ser vocalista por uns breves mas bons momentos. Cantava o que estava na pauta que David me dava na véspera do concerto na escola – não é para me gabar, mas arrasei em todas. Comecei a andar mais com a malta da banda e menos com a do futebol, mas continuava a dar-me com eles. Numa das noites de concerto, desta vez no campo de basquete do descampado atrás da escola, David convidou-me para entrar na banda e eu aceitei. Nem fiquei assim tão surpreendido com o convite, praticamente já era da banda. Seja como for, passei a vocalista e o David, que era o antigo, passou a baixista.
Ainda bem que me juntei oficialmente à banda: deu-me mais popularidade, quando precisava, tinha amigos em todo o lado, e deu-me mais experiência no mundo da música. Mas nem tudo era um paraíso, às vezes tinha que disponibilizar o pátio da casa dos meus pais, o que não lhes agradava muito – e o pior de tudo era quando tinha que ajudar a levar as cenas da banda, como a caixa das guitarras, que era praticamente inamovível. Mas mesmo assim foram os melhores anos da minha vida. Dos membros da banda dava-me melhor com o David, que era baixista, e com o Arthur, que tocava órgão elétrico.
Um domingo de tarde estava com eles a beber uma cerveja no “café universitário” e lembrei-me de reunir a malta do futebol, que já não via há muito tempo. Ao reencontrar-me com eles, reparei que vinham com uma rapariga que não estava a reconhecer, mas quando o Rodrigo, o melhor jogador de futebol do grupo, a chamou lembrei-me logo. Era uma rapariga chamada Leonor, que ficava sempre num campo do descampado, e que usava aparelho, óculos e andava sempre com um chapéu à pescador. Admito que não gostava muito dela mas, naquele dia, ela já não tinha aparelho, não usava óculos e já não usava aquele chapéu à pescador. Ela tinha a pele branca como neve, cabelo loiro e olhos azuis, como nunca tinha visto antes.
Já lá iam oito anos desde a última vez que a vira, e acho que vê-la naquele dia em que reuni a malta do futebol com a da banda fez com que, pela primeira vez na minha vida, ficasse redondamente apaixonado. Depois de jogarmos futebol, fui falar com ela e, antes de ir embora, ao despedir-me, convidei-a para vir comigo ao café universitário lanchar antes do meu concerto de sexta-feira. Ela aceitou. Na nossa quinta saída, começámos a namorar. Cinco anos depois, foi o nosso casamento. Nesse dia, a banda que tocou só podia ser a nossa própria banda. Dois anos depois do casamento tivemos o nosso primeiro e único filho que, em memória do falecido líder da banda, David Alberto, se chamou David Fonseca – já que Fonseca é o meu apelido. Quando fez 5 anos, eu e Leonor demos-lhe uma guitarra amarela, e foi essa guitarra que fez com que David ingressasse no mundo da música, e viesse a ser o vocalista de uma das melhores bandas de Portugal, os vossos bem conhecidos Silence 4.”
Tomás Sousa Ramos, 15 anos