
Luis Barra
São muitos os pais cujos filhos passam muito tempo a jogar no computador, na consola ou no telemóvel, e se queixam de que os miúdos estão «viciados». Apesar de reconhecer que os videojogos podem ser prejudiciais ao desenvolvimento das crianças, Pedro Hubert adverte que «a verdade é que para a maior parte das pessoas não tem problemas com isso. Não devemos diabolizá-los». Ainda assim, sublinha, convém ter alguns cuidados para que aquilo que é um passatempo não se torne «o único foco de interesse da criança ou jovem». O especialista esclarece algumas questões comuns a muitos pais.
Jogar ou não jogar: eis a questão
Os videojogos são muito atrativos e é fácil deixar de lado as aulas de música, o futebol ou os escuteiros, por exemplo. O segredo é: jogar à vontade, mas não deixar de fazer outras coisas, ou seja, ser equilibrado. Se eles não conseguirem, os pais têm de assumir algum controlo.
O que é um período «normal» de jogo?
Alguns miúdos podem jogar uma ou duas horas por dia e, ainda assim, continuarem com as suas aulas de música, brincarem com os amigos do prédio, jogar futebol e terem boas notas na escola. Outros jogam uma hora por dia e esse momento significa tudo para eles. Enquanto aquela hora não chega, ficam ansiosos e estão sempre a pedir mais tempo para jogar e tudo isto toma uma dimensão muito grande…
Eu diria que uma hora por dia é normal para um jovem. Vejamos, por exemplo, um dia de aulas em que chegam a casa às 16 horas: têm as suas atividades, os trabalhos de casa, e por volta das 19 horas estão despachados. Se jogarem até à hora de jantar, às 20 horas, têm uma hora. Não me parece mal. O que não me parece bem é jogarem à noite antes de dormir. Não devem levar o tablet ou o telemóvel para a cama, pois isso pode prejudicar a qualidade do descanso. Aconselho sempre os jovens a não retirarem horas ao sono para jogar.
Os videojogos são altamente atrativos e viciantes. Como é que isso funciona?
É mais ao menos como nas séries de televisão, como A Guerra dos Tronos por exemplo, que seguem aquela receita com sexo, violência, intriga, terror, suspense. Uma receita que se sabe que funciona. No caso dos videojogos também há uma receita. Todas as pequenas ações do jogo que provocam suspense e adrenalina são viciantes.
Quais são as «armadilhas» dos videojogos?
– o grafismo altamente atrativo, com muita ação e movimento e som de alta qualidade
– a duração dos jogos, cada vez mais curtos, mas que podem repetir-se uma vez e outra tornando-se intermináveis
– a rapidez e a intensidade, que os tornam imersivos, provocando o alheamento da realidade por parte de quem está a jogar
– os rankings ou tops, que conferem «estatuto» aos bons jogadores, ou seja, quanto melhor é a classificação, mais «importantes» se sentem juntos dos amigos
– grande quantidade de variáveis que podem ser acionadas/escolhidas e que vão classificar a eficácia do jogador, dando a falsa ilusão de controlo do jogo
Um tempo de jogo excessivo tem efeitos no cérebro?
Os videojogos podem alterar o funcionamento cerebral. Foi precisamente por isso que a Organização Mundial de Saúde classificou os «distúrbios com videojogos» como um problema de saúde mental. [Esta condição refere-se a uma falta de controlo crescente, no período superior a um ano, durante o qual se dá cada vez mais importância aos videojogos e menos a outras atividades do quotidiano.] Há estudos que mostram que, ao longo dos anos, os jovens se tornam mais impulsivos, mais reativos e com uma menor sensibilidade.
Violência nos jogos gera violência na realidade?
Os investigadores dividem-se em relação a este assunto. Pessoalmente, não acredito. Valores como autonomia, responsabilidade, empatia, isso sim, é muito preocupante, porque pode vir aí uma geração com dificuldades ao nível da solidariedade e generosidade.
Muito tempo em frente a um ecrã pode ser prejudicial a esse nível?
Sim, porque não lhes permite ter mais experiência de vida. Por isso os aconselho tanto focarem-se noutros interesses. Tenho jovens que passaram o verão inteiro em casa em frente ao computador e foram uma ou duas vezes à praia. Obrigados! E isso, quer se queira quer não, dá-lhes uma noção de realidade muito diferente daquilo que ela é de facto.

Divulgacao
Que opinião tem do popular Fortnite?
Tenho dois filhos, um com 10 anos e outro com 13, que jogam Fortnite. A frase que mais ouço em casa há uns meses é «Está bem, está bem. Já vai, já vou». Eu até digo que vai ser esse o título do livro que estou a escrever sobre gaming! Dou-lhes 5 a 10 minutos de tolerância e, quando começa a ser muito repetitivo, estabeleço regras e consequências.
É difícil «arrancá-los» dos jogos, e isso que gera muitas discussões em casa…
A minha sugestão é estabelecerem um horário. Depois, tem de haver o compromisso de manterem outras atividades para além do jogo e terem notas razoáveis na escola. [Na edição nº 178 da VISÃO Júnior encontra um contrato para pais e filhos que pode ajudar]

Na edição de fevereiro, encontra 12 páginas sobre o tema dos jogos, eletrónicos e de tabuleiro
Jogar demasiado afeta o rendimento escolar?
Quando jogam demasiado, as notas da escola costumam ressentir-se porque eles investem toda a sua energia, toda a sua forma de pensar, naquele modelo. É como se eu dedicasse todo o meu esforço a Matemática e a História. Nesse caso, vou ter boas notas nestas disciplinas, por isso, sinto muito prazer em estudá-las porque me fazem sentir bem. As outras tornam-se uma chatice, logo, os resultados pioram, isso faz-me sentir mal e rejeitá-las cada vez mais…
Mas os videojogos têm vantagens?
Têm, sim. Eles aprendem a trabalhar em equipa; a assumir a liderança e a tomar decisões, o que reforça a autoestima e a autoconfiança; a resolver problemas, ou seja, desenvolvem o pensamento estratégico quando são obrigados a improvisar e a criar soluções; e a coordenação motora. Note-se que a maioria das pessoas que joga videojogos não tem problemas com isso. Basta encontrar um equilíbrio.
Pedro Hubert dá consultas no Instituto de Apoio ao Jogador e descreve-nos o tipo de pacientes que recebe devido a problemas de adição aos videojogos: «Na sua maioria são estudantes universitários, mas, desde há algum tempo, comecei a receber jovens adultos, de 27 a 30 anos, e adolescentes, de 14 a 16 anos. Os jogadores que ficam mais viciados são normalmente pessoas que não sabem conversar com os outros, têm dificuldade em relacionar-se com colegas e em falar de sentimentos, por exemplo. Normalmente, já trazem problemas anteriores, como conflitos familiares, rutura escolar, isolamento e ansiedade social. Muitas vezes, os videojogos funcionam como uma fuga aos problemas e aos medos. Se são bons jogadores e têm bons resultados, sentem-se bem a jogar e vão querer fazê-lo mais vezes».